O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou na última quarta-feira, 2, o julgamento que pode levar à descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal. O tema volta à pauta da Corte Superior depois de sete sete anos de paralisação, com o voto do ministro Alexandre de Moraes favorável à liberação do porte exclusivo para maconha e a sugestão de limitação de 25 a 60 gramas para diferenciar o consumo do tráfico, além do estabelecimento de outros elementos.
O julgamento foi adiado por uma semana a pedido do relator, ministro Gilmar Mendes, em razão das divergências já apresentadas nos primeiros quatro votos. A expectativa é que a análise seja retomada ainda em agosto, com votos de outros sete ministros (incluindo o recém-empossado Cristiano Zanin).
Ainda que sem acordo, o tema chama atenção e já suscita dúvidas sobre os reflexos da decisão, como a possibilidade do julgamento promover a “soltura automática” de envolvidos com o tráfico de drogas. Mas, de fato, a descriminalização do porte de entorpecentes para uso pessoal pode levar à liberação compulsória de pessoas em privação de liberdade?
Do ponto de vista do direito penal, a resposta é não. O advogado Leonardo Pantaleão, especialista em direto penal e processo penal, explica que, desde 2006, com a sanção da atual Lei de Drogas (11.343), em tese, não se pune com pena privativa de liberdade o consumo de entorpecentes. “Então, não há de se falar de pessoas que estejam encarceradas respondendo pelo crime do porte ilegal de drogas para uso próprio, uma vez que, repito, a própria legislação não prevê pena privativa de liberdade desde 2006 para essa conduta”, pondera Pantaleão. Na prática, caso a descriminalização seja aprovada no Supremo, indivíduos pegos com entorpecentes para consumo estarão isentos de quaisquer punições, como a prestação de serviços à comunidade, comparecimento a programa educativo ou registro em ficha criminal, atualmente em vigor. Em outras palavras, “não haverá mais o cometimento de crime”, detalha Matheus Faliene, doutor e mestre em direito penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
“Atualmente, é um crime que já não tem pena privativa de liberdade, apenas alternativas, como uma demonstração sobre os efeitos das drogas. Porém, mesmo assim, é uma questão criminal que gera alguns problemas para o indivíduo que é pego. Com a eventual declaração dessa inconstitucionalidade, que gerará uma descriminalização, as pessoas não terão mais esse risco, os usuários de drogas não terão mais esse risco e a questão será tratada efetivamente como um tema de saúde pública”, pontua. Ainda que, em tese, a decisão do Supremo Tribunal Federal não vá promover uma soltura automática de presos, uma vez que a legislação atual não prevê prisão para usuários de drogas, na prática, estudiosos e os próprios ministros da Corte já ponderam que a delimitação de uma “mediana” para diferenciar consumo próprio de tráfico pode refletir na diminuição do contingente prisional, ainda que no longo prazo.
Em seu voto, o ministro Alexandre de Moraes propôs a fixação de um critério nacional, exclusivamente em relação à maconha, para diferenciar usuários de traficantes. Ele lembrou, inclusive que, uma vez que o artigo 28 da Lei de Drogas não define critérios objetivos para o consumo próprio, a definição fica a cargo do sistema de persecução penal, que interpreta a norma de formas diversas. Em muitos casos, como do Recurso Extraordinário (RE) 635659 analisado, uma pequena quantidade de entorpecentes (três gramas) passa a ser qualificada como tráfico, tornando a punição mais dura e aumentando significativamente o número de presos no país. Moraes propôs que sejam presumidas como usuárias as pessoas flagradas com 25 g a 60 g de maconha ou que tenham seis plantas fêmeas. Se essa fixação for estabelecida, deverá haver uma revisão de inquéritos policiais, condenações e execuções penais.
JPan