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O Direito do Nascituro – por André Aguiar

A Ciência diz que o momento da concepção é quando há a anfimixia, ou seja, é no momento em que o gameta masculino encontra e fecunda o gameta feminino. Para a lei civil, neste momento começa a existência do sujeito de direito e se nascer com vida adquirirá personalidade jurídica material.

A Constituição Federal, quando cuida Dos Direitos e Garantias Fundamentais, no Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I, Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, no Art. 5º, que se encontra supratranscrito, garante a inviolabilidade do direito à vida, significando que o Estado tem a obrigação de zelar pela vida. O Código Civil, como examinamos, considera o nascituro sujeito de direitos desde a concepção.

Com efeito, podemos dizer que os dispositivos legais que criminalizam o aborto foram recepcionados pela Constituição, ou seja, embora datem de antes da Constituição Federal de 1988, estão em perfeita consonância com seus valores, princípios e determinações e, por via de consequência, suas regras permaneceram no ordenamento jurídico.

O aborto é a interrupção da gestação antes do início do período perinatal, definido pela OMS (CIE 10) a partir de 22 semanas completas (154 dias) de gestação, quando o peso ao nascer é normalmente de 500 g. Costuma-se classificar o aborto como precoce quando ocorre antes de 13 semanas da gravidez, e como tardio quando se dá entre as 13 e 22 semanas.

Para nós Cristãos Católicos, “O aborto provocado é a morte deliberada e direta, independente da forma como venha a ser realizado, de um ser humano na fase inicial de sua existência, que vai da concepção ao nascimento”. Muito além disso, cremos que ali, naquele ser, já existe uma alma, um ser espiritual.

Assim diz o Catecismo:

2272 A cooperação formal para um aborto constitui uma falta grave. A Igreja sanciona com uma pena canônica de excomunhão este delito contra a vida humana. “Quem provoca aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão latae sententiae” “pelo próprio fato de cometer o delito” e nas condições previstas pelo Direito. Com isso, a Igreja não quer restringir o campo da misericórdia. Manifesta, sim, a gravidade do crime cometido, o prejuízo irreparável causado ao ‘inocente morto, a seus pais e a toda a sociedade. O inalienável direito à vida de todo indivíduo humano inocente é um elemento constitutivo da sociedade civil e de sua legislação: “Os direitos inalienáveis da pessoa devem ser reconhecidos e respeitados pela sociedade civil e pela autoridade política. Os direitos do homem não dependem nem dos indivíduos, nem dos pais, e também não representam uma concessão da sociedade e do Estado pertencem à natureza humana e são inerentes à pessoa em razão do ato criador do qual esta se origina. Entre estes direitos fundamentais é preciso citar o direito à vida e à integridade física de todo se humano, desde a concepção até a morte.”
 

O Código Penal Brasileiro pune o aborto provocado na formado auto aborto ou com consentimento da gestante em seu artigo124; o aborto praticado por terceiro sem o consentimento da gestante, no artigo 125; o aborto praticado com o consentimento da gestante no artigo 126; sendo que o artigo 127 descreve a forma qualificada do mencionado delito. No Brasil, admitem-se duas espécies de aborto legal: o terapêutico ou necessário e o sentimental ou humanitário.

O nascituro que é a pessoa que ainda está por nascer, já carrega desde à concepção material genético próprio que anuncia a sua natureza humana, o que lhe atribui, por conseguinte, existência de vida e de pessoa. Ainda desamparado no Direito brasileiro, não sendo reconhecido de forma integral a sua condição de pessoa, o nascituro por vezes é ignorado na esfera jurídica, tendo assim os seus direitos mais básicos desassistidos.

Nesse singelo artigo quero grifar o entendimento de que a personalidade jurídica ocorre desde a concepção, e que por consequência visa a proteção do nascituro, que desde o momento em que é concebido, já é titular de direitos da personalidade, quais sejam, o direito à vida, à honra, ao nome, à imagem, e à integridade física e psíquica. Todos estes são direitos fundamentais para o respeito da dignidade da pessoa humana, e para o cumprimento do ordenamento constitucional, sendo imprescindível o seu reconhecimento para as pessoas ainda não nascidas.

Dentre os grandes debates, a ciência jurídica atual conta com discussão sobre qual a condição do nascituro no Direito, dado à controvérsia existente sobre o início da vida, sobre qual o marco inaugural da condição de ser humano, fazendo assim perdurar a incerteza sobre qual o momento em que o Direito tem a incumbência de tutelar.

Importa salientar que tendo em vista a sua fragilidade, sendo incapaz de defender a si próprio, necessita de uma maior proteção, de garantias legais que assegurem o cumprimento de direitos constitucionais, que lhe são inerentes em razão de sua condição humana.

Para que haja a tutela dos direitos do nascituro, necessário se faz o reconhecimento da sua condição de pessoa para o direito. No entanto, o Código Civil Brasileiro, no que toca a personalidade jurídica, determinou que esta se inicia com o nascimento com vida, portanto, desconsiderando a personalidade da pessoa que ainda está por nascer.

É sabido que o ordenamento Constitucional prevê a defesa do direito à vida e a preservação da dignidade da pessoa humana, no entanto, não define em qual momento esta tutela se inicia, ou quando a vida começa, deixando assim para a lei esparsa a incumbência de definir.

Todavia, a lei penal, no seu art. 124 tipifica o crime de aborto, sendo assim a interrupção da gravidez desde a sua concepção prática condenável como crime contra a vida, construindo a coerência legal de que o Direito Brasileiro considera o início da vida a partir da concepção, merecendo assim o nascituro, a tutela jurídica de seus direitos.

Além de que, partindo-se da lógica constitucional que garante o direito à vida, podemos concluir que o silêncio da constituição pende para, na dúvida, garantir a tutela do nascituro, que além de todas as evidências e estudos que indicam pela presença de vida, ou no mínimo potencial de vida, um(o) zigoto, em sua essência, é um ser humano em formação, o que já lhe concede o status de proteção da vida humana.

Entretanto, mesmo se supormos um hipotético empate resulta em proporção igual de 50% de chance de existência de vida no feto, e 50% de chance de inexistência, o que revela o resultado de 50% de chance de que a desconsideração de inexistência de vida no feto pode levar ao caminho contrário da defesa do direito à vida, e no caso de aborto, de 50% de chance de ser um homicídio. Seria o mesmo que estar com um revólver de frente para uma caixa onde não se tem a certeza se existe uma pessoa ou não, o que para resguardar a vida, é melhor não atirar, seria jogar à sorte a vida de um ser humano

Neste diapasão, compreende-se que a vida não é algo tangível pela lei, mas sim definidor da lei. Não deve ser, a vida é. E, por isso, que deve o ordenamento jurídico se orientar pelos valores essenciais do ser humano, para que não fuja da essência própria que surge o Direito, que é a proteção do próprio homem.

A vida humana é um ciclo, que possui começo, meio e fim, que surge em determinado momento, e desaparece em certo instante, mas que em toda fase tem algo em comum, a sua formação. A vida sempre está em desenvolvimento, em processo de construção, de renovação. As células humanas, desde o início (a concepção), se multiplicam e se renovam, demonstrando assim o sinal de vida, carregando sempre consigo os direitos inerentes a sua existência, sendo um deles, o de viver uma vida digna, e por conseguinte, de se formar, sendo assim compreendido o feto, de modo digno.

No que concerne à concepção de pessoa no sentido ontológico, grande contribuição foi dada pelo Cristianismo, que valorizou o entendimento do que é pessoa numa perspectiva de igualdade e fraternidade19, atribuindo valor absoluto a toda vida humana, por meio da didática da caridade.

Portanto, a vida, em seu valor ontológico, coloca a condição humana no pedestal do Direito, sendo assim a lei subjugada à condição real da pessoa humana. A vida humana, como égide do ordenamento jurídico, se coloca no centro de tudo, regendo a lógica sistemática da lei, isto é, sendo a fonte inspiradora para toda formação legal, seja pela interpretação ou pela produção do próprio Direito. A vida, um fim em si mesmo, torna-se a finalidade de todas as coisas.

A vida do nascituro se exprime pela sua natureza estritamente humana, possuidora de carga genética própria, única, que não se confunde nem com a do pai ou da mãe, sendo assim uma pessoa per si, pois carrega toda informação necessária para o seu desenvolvimento físico e psíquico. Dotado desde a concepção com material genético humano, já é vida, porém, no seu início.

Ocorre que a sociedade hodierna crescentemente vem caminhando rumo à desvalorização da vida do nascituro, entendendo ele não mais como pessoa, porém como res disponível à vontade alheia; em outras palavras, pode a sua vida ser eliminada ou não, a depender da vontade da mãe do feto, por meio da prática de aborto das mais diversas formas.

Aqueles que entendem pelo não reconhecimento da vida no nascituro, e por consequência, pela legalização do aborto, definem a vida de forma utilitarista, pois concebem o nascituro como coisa, e não como pessoa dotada de direitos. Sustentam-se sob a alegação de que o nascituro não possui autonomia própria, e, portanto, depende da sua genitora para sobreviver, sendo assim extensão do corpo dela.

Não merece prosperar o argumento de que a autonomia é o fato definidor do que é vida, visto que além de não científico, é ilógico. Se assim o fosse, toda criança que depende dos pais para andar, falar e comer, seria passível de ter o valor da sua vida diminuída. Ou será que o ser humano dependente ou doente, seria menos vida do que aquele que está em plenas condições de se manter sozinho? Certamente que não.

Apesar da vida da mãe nutrir o nascituro, ele já é ser humano em sua autonomia biológica e única, pois sobrevive pelo seu corpo também e se desenvolve pela sua natureza, herdada e de responsabilidade de ambos os pais. É vida por autoridade biológica e moral.

O filósofo espanhol Julián Marías23 faz uma análise antropológica do aborto, com fundamento na compreensão do homem de si mesmo, que se vê como pessoa desde o ventre da mãe. Argumenta que o ser humano não é “o quê”, mas sim “quem”, não é “algo”, mas “alguém”.

Ademais, mais grave é a desconsideração da vida do nascituro, visto que é pessoa vulnerável, incapaz de defender a si mesma. Trata-se de uma violação covarde, pois atinge o fraco sem que ele mesmo tenha direito de tomar parte da própria vida.

Temeroso é o fato de que intenções eugênicas se expressam por meio de ideias abortistas, visto que muitas vezes são justificadas pela qualidade do ser humano que esta sendo gerado, geralmente por possuir algum tipo de deficiência.

Por estas razões é que se compreende pelo valor da vida do nascituro, que em sua situação vulnerável necessita da tutela especial do Direito, sendo ele vida em início de formação, mas já dotado de essência necessária para que se caracterize a sua  proteção e o título de direitos que lhe são inerentes, quais sejam, o direito à vida, o direito a uma vida digna e ao bom desenvolvimento.

A teoria natalista é aquela segundo qual a personalidade jurídica se inicia com o nascimento com vida. Esta teoria é adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, por meio do art. 2º do Código Civil de 2002, que determina: “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida;”. Para os adeptos da referida corrente, o nascituro possui mera expectativa de direito, pois ainda não é pessoa.

Sustentam com fundamento na capacidade, argumentando que o nascituro não possui a qualidade de pessoa a partir do momento em que não pode adquirir direitos e deveres. No entanto, esta ideia confunde personalidade jurídica com capacidade jurídica, o que acaba por contradizer qualquer distinção que se queira fazer desses conceitos, pois se tornam um. É cediço que esse entendimento limita o conceito de pessoa para o direito, além de que reduz a tutela jurídica do indivíduo, algo que foge à própria noção ideal de Direito, que tem como cerne salvaguardar a vida humana.

Há que se observar que o próprio Código Civil já garante direitos para o nascituro, quando resguarda desde a sua concepção o direito à herança (art. 1.798), a receber doação (art. 542), à curatela (1.779) e ao reconhecimento de filiação  (art. 1.597).

O que se observa é certa controvérsia por parte dos natalistas, no sentido de  não saberem definir ao certo em que posição se encontra o nascituro. Admite-se que ele não é pessoa, mas ao mesmo tempo garante-se um espectro de direito, indefinido, em razão de uma condição futura que ele adotará. Chega-se ao ponto de encontrarmos contradições nos próprios defensores desta tese, que às vezes se confundem com as teorias e não sedimentam de forma cristalina quais as definições da teoria natalista.

Podemos ainda destacar, que a visão natalista é ultrapassada para a atual tendência da doutrina Civil no Brasil, pois ela entra em total contradição com a Constituição Federal, que não só garante a autoridade do princípio da dignidade da pessoa humana, como prenuncia o direito à vida para todo indivíduo, sendo-lhe garantidos direitos inerentes a sua existência.

Tal concepção é limitada, pois reduz a personalidade jurídica à capacidade de “ter”, visto que já detém o “ser”, fugindo da referida visão constitucionalista do Direito Civil, que valoriza a vida humana sobre qualquer direito patrimonial que se queira sobrepor.

Daí, não ser devida a adoção da teoria natalista presente no art. 2º do CCB/02, tendo em vista que o próprio ordenamento constitucional nega este tipo de suposição a partir do momento em que defende a vida do ser humano como direito fundamental, irrevogável, inclusive, por interesses que se comuniquem tão somente com o patrimônio.

Ainda é relevante o fato de que o Estatuto da Criança e do Adolescente, muito embora defina o limite do que é considerado criança em seu art. 2º, sendo até os doze anos, é omissa quanto ao início da proteção da criança, deixando à interpretação sistemática do Direito, o método hermenêutico mais adequado para o caso, a conclusão de que o nascituro já é tutelado pela legislação que não só tem caráter de garantia de direitos fundamentais, mas tem como princípio fundamental a proteção integral da criança e do adolescente, levando a crer que o protege também a criança em sua fase pré-natal.

Além disso, o ordenamento jurídico brasileiro traz vários dispositivos legais que garantem não só ao nascituro direitos genéricos, mas específicos à realidade jurídica em que se encontra. A título de exemplo, podemos destacar a Lei dos Alimentos Gravídicos, nº 11.804/2008 e os dispositivos do Código Civil que garantem direito à herança, curatela, e filiação.

É imperioso perceber que a vida da mesma forma que, na velhice possui a fragilidade de um homem idoso, incapaz muitas vezes de agir por si próprio, de defender-se, na gestação, o nascituro também carrega uma fragilidade peculiar, necessitada de proteção, de um olhar especial do Direito, que muito além da letra fria da lei, deve se estruturar para propiciar a toda vida humana, a possibilidade de viver, e viver dignamente. Que assim seja!!!

André Aguiar

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