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Voto Obrigatório – Por André Aguiar

Há um pressuposto nos regimes democráticos que é a liberdade, falo da liberdade individual. E porque não da coletiva? O respeito à vontade do cidadão, podemos dizer que corre na veia da democracia. Ela nasce e floresce em países nos quais as pessoas circulam livremente, sem a coerção nem pressões do Estado.

A história tem demonstrado que a liberdade gera bons frutos ao garantir a previsibilidade das regras, a estabilidade jurídica que reforça em muito as instituições públicas e privadas.

Com efeito, estimula o desenvolvimento que é sinônimo de paz, gera riquezas e crescimento econômico, molda virtudes no povo torna-se mais consciente de seus direitos e deveres.

Mas se a liberdade é tão benéfica por quais motivos alguns países convivem com sérias restrições à liberdade de escolher livremente seus governantes?

Elencar aqui nesse espaço as razões restaria enfadonho e cansativo, por óbvio, até porque temos bem claras as respostas.

Objetivamente penso que o Brasil é um modelo híbrido de nação, na qual germinou a semente da liberdade, mas que ainda flerta com o estado paternalista.

Historicamente a liberdade no Brasil foi forjada por degradados, navegadores e aventureiros que caminhando por essas bandas, enfrentaram as adversidades tropicais, criando um comércio de escambo e vivendo sem estado e sem leis escritas, entretanto, criou-se uma governança própria de costumes, rituais, eleições e acordos informais que perdurou por aproximadamente 300 anos.

As cidades e vilas, por exemplo, eram governadas por Câmaras municipais, cujos membros eram eleitos pelo voto direto. Sim, antes da corte portuguesa se instalar no Brasil em 1808, já tínhamos o hábito de escolher os governantes locais por meio do voto.

Após a invasão de Portugal pelas tropas napoleônicas em 1808, a família real portuguesa foi obrigada a refugiar-se no Brasil. Longe das rivalidades políticas da Europa e protegido pelo oceano e por densas florestas que dificultavam qualquer invasão, a casa real portuguesa começou a edificar o Estado brasileiro. D. João VI criou leis, escolas e as primeiras faculdades (Direito, Medicina e Belas Artes); abriu os portos brasileiros para o comércio internacional e organizou a formação do primeiro governo brasileiro. D. Pedro I nos deu a independência política e criou a primeira monarquia constitucional do país; uma das mais liberais do mundo. Havia liberdade de imprensa e o voto foi concedido a todos os homens livres, maiores de 25 anos (não votavam mulheres e escravos). Traduzindo em números: quase metade da população livre votava. Nos Estados Unidos, por exemplo, votava cerca de 13% dos homens, na Inglaterra, 7%, e na Holanda, 2,5%.

D. Pedro II nos deu a única democracia parlamentarista da América Latina. Possuíamos um parlamento eleito pelo voto popular e um monarca que exercia o poder moderador para fortalecer o Estado de Direito e assegurar a alternância dos partidos no poder. Tínhamos um imperador preocupado em formar e educar uma elite de homens públicos para exercer os principais cargos na administração pública; um estadista que defendeu incansavelmente a liberdade de expressão e de crença e, acima de tudo, um monarca que concedeu a liberdade aos escravos; uma medida humana e corajosa que lhe custou a deposição do trono por um golpe republicano em 1889.

Com a instalação da República, travou-se um duelo entre liberais e autoritários que perdurou por quase um século. As primeiras batalhas foram vencidas pelos liberais. Os presidentes Prudente de Moraes, Campos Salles e Rodrigues Alves combateram os militares e os positivistas que queriam usar a fachada da democracia para criar uma República autoritária. Esses três presidentes da República nos livraram das garras autoritárias de Deodoro da Fonseca e de Floriano Peixoto, dando ao Brasil uma constituição liberal em 1891; pacificaram o país, sanearam as contas públicas e colocaram o Brasil na rota do crescimento e da urbanização.

Getúlio Vargas prometeu instaurar uma “verdadeira” democracia no país, mas acabou implementando um regime autoritário, que culminou com a criação da primeira ditadura brasileira, em 1937. O Varguismo infestou o Brasil com duas doenças que vêm debilitando o bom funcionamento da democracia e da liberdade até os nossos dias. A primeira é a crença nas virtudes do Estado paternalista e centralizador; a segunda é o populismo – uma peste que mina o funcionamento das instituições. Felizmente, o populismo tem prazo de validade e, cedo ou tarde, as pessoas descobrem que foram ludibriadas pela farsa dos demagogos. No caso de Getúlio, terminou com o seu suicídio no dia 24 de agosto de 1954.

Temos aprendido a conviver com o bônus e o ônus da liberdade e da democracia, vide a história mais recente da política brasileira.

Seja pela descrença nas instituições políticas nacionais, nos políticos ou em função da pandemia atual, é previsto para as eleições desse ano um baixo comparecimento eleitoral, isso é fato.

Nem mesmo a pandemia que resultou e ainda resulta em muitas mortes pelo país inteiro, nos livrou da obrigatoriedade do voto, essa tradição vem desde o ano de 1932.

Sabe-se que nenhuma democracia representativa relevante no mundo adota o recurso do voto obrigatório, seguem a máxima da livre manifestação da vontade.

Por uma questão de princípios, acredito que não há lei que faça o eleitor melhor, ou seja, mais esclarecido, mais qualificado, ao contrário, vejo a obrigação do voto como uma forma de autoritarismo. Só os políticos lucram com o voto obrigatório.

Pelo simples fato de ser uma imposição, tudo aquilo que é obrigatório tende a ser rejeitado ou feito com alguma má vontade.

Em sã consciência, ninguém festeja quando tem de cumprir algum dever. No máximo, sente-se aliviado depois de fazê-lo.

Eles nos imputam, digo a nós eleitores, a pecha da imaturidade, a imposição do ato de votar não só atenta contra a liberdade individual como é, na verdade, absolutamente deseducadora.

Ao contrário do que preconiza a maior parte dos defensores do sufrágio compulsório, a obrigação age no sentido oposto do aprendizado, da conscientização e, portanto, da própria democracia.

A obrigação é falácia, que só contribui para aumentar o descrédito dos cidadãos nas leis e do eleitor em tudo aquilo ligado à política.

É ilusão acreditar que o voto obrigatório possa gerar cidadãos mais evoluídos. Não será o voto obrigatório que transformará o homem, não será obrigando-o a votar que ele reconhecerá seu poder de intervenção na sociedade.

Como disse São Paulo na Carta aos Gálatas 5, 1: “É para que sejamos homens livres que Cristo nos libertou. Ficai, portanto, firmes e não vos submetais outra vez ao jugo da escravidão.”.

Por André Aguiar em outubro de 2020.

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