Em meio à forte instabilidade doméstica, crise econômica, continuidade dos escândalos de corrupção e perguntas no exterior sobre a legitimidade da troca de governo brasileiro, o presidente Michel Temer concluiu seu primeiro ano de mandato tendo realizado apenas sete viagens internacionais.
Considerando sempre dados anuais, levantamento feito pela BBC Brasil mostra que o peemedebista foi o presidente que menos cumpriu agendas externas desde Itamar Franco (1992-1994), que, por sua vez, também assumiu o governo após um impeachment, o de Fernando Collor, em 2 de outubro de 1992.
Para especialistas, o momento negativo pelo qual passa o país acaba inibindo a chamada “diplomacia presidencial”, na medida em que reduz o prestígio do Brasil no exterior e exige maior dedicação de Temer aos problemas domésticos.
“É um governo singular, pois é curto e tem uma agenda limitada e pragmática: aprovar reformas econômicas. Isso deixa a política externa em segundo plano”, afirma o professor de relações internacionais da FGV Oliver Stuenkel.
Alguns também apontam o menor prestígio do atual presidente como um fator que pode estar inibindo convites de outros governos.
“O presidente brasileiro deveria estar viajando muito mais, mas Temer e o Brasil carregam um certo estigma hoje, refletindo a semilegitimidade do processo de impeachment, o status de Temer de presidente não eleito (diretamente para o cargo) e com alta rejeição popular, o fato de ele e seus aliados aparecerem largamente envolvidos em práticas corruptas e o retrocesso nos avanços sociais e econômicos que vem ocorrendo nos últimos três a quatro anos”, afirma o especialista em América Latina e presidente emérito do Inter-American Dialogue, centro de pesquisas em Washington, Peter Hakim.
“Com eleições presidenciais marcadas para o próximo ano, a maioria dos países preferiria esperar e convidar (para visitas) um novo presidente eleito, preferencialmente que não esteja manchado por suspeitas de corrupção e goze de maior apoio doméstico”, acredita ele.
Hakim, porém, não deixa de apontar responsabilidades dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff na recente derrocada externa brasileira, tanto por causa de erros na condução econômica como pelos escândalos de corrupção envolvendo seus governos.
“Não há dúvida de que as acusações contra Lula contribuíram para a deterioração da imagem do Brasil. Ele se tornou o nome e o rosto do sucesso histórico do país e de seu reconhecimento internacional. Agora, a expressão ‘até mesmo Lula’ (por aparecer citado nas denúncias) passou a significar quão amplamente a liderança política do Brasil foi corrompida”, disse o americano.
Já a professora de relações internacionais da Universidade de Brasília Tânia Manzur considera que a controvérsia em torno da legitimidade do impeachment não é um fator determinante para explicar a queda das viagens presidenciais. Na sua visão, a instabilidade doméstica acaba exigindo que Temer passe mais tempo no Brasil.
“No frigir dos ovos, a maior parte dos governos no mundo inteiro têm um olhar muito pragmático. O que interessa (ao estabelecer relações com outros países) é o que eles vão angariar com essa parceria estratégica”, afirmou.
Apesar disso, a professora concorda que “estamos vivendo um processo terrível em termos institucionais e políticos que certamente pesa para a imagem internacional do país”.
Cinco meses sem viagens
As viagens de Temer realizadas até agora se concentraram no período final do ano passado – foram três para participar de eventos multilaterais (G20, na China; BRICS, na Índia; e Assembleia da ONU, nos EUA) e três visitas oficiais a outros países (Argentina, Paraguai e Japão). Já em 2017 ele fez apenas uma viagem, que não estava programada, para participar do velório do ex-presidente de Portugal Mário Soares, no início de janeiro.
Com isso, Michel Temer caminha para completar cinco meses sem sair do país, já que sua próxima viagem está prevista apenas para meados de junho, quando deve visitar Noruega e Rússia. Isso não acontecia desde 1992, quando Collor chegou a ficar seis meses sem cumprir agenda internacional.
Nos 12 meses anteriores ao impeachment, Dilma Rousseff realizou 15 viagens ao exterior, o que segue sua média anual durante os pouco mais de cinco anos de governo e também a média do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Lula, por sua vez, fez em média 31 viagens internacionais por ano no total dos seus dois mandatos, mantendo a tradição brasileira de privilegiar visitas a países da América do Sul e da Europa, mas ampliando também a presença em outras regiões, como África e América Central.
Questionado, o governo justificou o baixo número de viagens no primeiro semestre deste ano ao fato do presidente estar focado em questões internas, como a aprovação das reformas da Previdência e trabalhista. Diz também que o presidente não viajou mais em seu primeiro ano porque optou por não deixar o país durante o mandato interino, entre 12 de maio e 31 de agosto do ano passado, quando Dilma foi definitivamente cassada.
“Nos primeiros meses de 2017, o presidente da República tem-se dedicado ao esforço de levar adiante intensa agenda de reformas, o que pressupõe continuado diálogo com a sociedade e com o Congresso Nacional”, respondeu a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.
Ainda sem data para encontrar Trump
Para Hakim, um exemplo que confirma a falta de prestígio do atual presidente brasileiro é o fato de o ex-presidente americano Barack Obama ter se mantido distante e até agora Temer não ter uma visita agendada com o novo mandatário dos Estados Unidos, Donald Trump.
Temer viajou para participar da reunião dos Brics
Considerando outros líderes sul-americanos, Trump já recebeu na Casa Branca os presidentes de Peru, Argentina e recebe nesta semana o da Colômbia. Embora não tenha feito convite oficial ao Brasil, o presidente dos Estados Unidos disse a Temer, em telefonema em março, que tem interesse em recebê-lo – o Palácio do Planalto tem expectativa de que isso ocorra no segundo semestre.
Já com a chanceler alemã, Angela Merkel, considerada a mulher mais poderosa do mundo, Temer não teve qualquer contato pessoal neste primeiro ano, nem mesmo por telefone. Ela mantinha boa relação com Dilma e em 2015 veio ao Brasil com uma comitiva de sete ministros e cinco secretários de Estado, inaugurando um processo de “consultas intergovernamentais” entre os dois países. A visita marcou a entrada do Brasil para um seleto grupo de parceiros mais próximos da Alemanha, que incluía também França, Itália, Espanha, Polônia, Israel, Rússia, China e Índia.
Em julho, Temer irá à Alemanha para a próxima cúpula do G20, em Hamburgo. Após esse compromisso, o presidente brasileiro tem planejadas viagens à Colômbia, Argentina (Cúpula do Mercosul), China (visita de Estado e cúpula do BRICS) e Nova York (abertura da Assembleia-Geral da ONU). Sem dar detalhas, o governo disse que “há entendimentos em curso para a fixação de datas de visitas a outros países, cujos convites já foram aceitos pelo presidente da República”.
O Palácio do Planalto disse também à BBC Brasil que a atuação diplomática do presidente não se resume às viagens e que Temer tem mantido contatos telefônicos e encontros bilaterais paralelos aos eventos multilaterais dos quais participa. Esses tipos de encontros, em geral rápidos, também costumavam ser realizados pelos antecessores de Temer.
Segundo o governo, o foco da atuação internacional do país está nos resultados econômicos.
“O presidente Temer tem levado adiante diplomacia presidencial ativa e verdadeiramente universal, que responde aos reais valores e interesses da sociedade brasileira. Em particular, tem-se concentrado, também no plano externo, no imperativo da retomada do crescimento e da geração de empregos”, afirma a resposta enviada à BBC Brasil.
“Demonstração eloquente do pragmatismo e da eficácia da diplomacia presidencial deu-se no episódio da Operação Carne Fraca. Após a divulgação da Operação, a pronta atuação pessoal do presidente da República foi essencial para manter os mercados abertos ao produto brasileiro”, diz ainda a nota.
Diplomacia de Lula é alvo de controvérsias
A professor da UNB Tânia Manzur vê com ceticismo a possibilidade de o Brasil recuperar agora o prestígio internacional que alcançou no governo Lula, período de 8 anos que reuniu forte crescimento econômico com uma liderança carismática.
O petista teve papel importante na formação do grupo dos Brics e no fortalecimento do G20 (integrado por nações ricas e emergentes) em contraponto ao G8 (restrito a países desenvolvidos). No entanto, ressalta a professora, alguns críticos veem a política externa no seu governo como “partidária”, muito ligada à visão internacional do PT.
“Lula tinha ativismo muito grande, que para muitos era positivo e para outros tantos tinha acepção negativa. Rendeu poucos frutos em termos dos esforços de aumentar drasticamente o número de representações brasileiras no exterior para buscar um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, o que acabou não acontecendo”, nota a professora.
Opinião semelhante tem o diplomata e professor de Economia Política da UniCeub Paulo Roberto de Almeida. “As viagens de Lula eram excessivas e sua política externa megalomaníaca. Hoje, por exemplo, o Brasil tem mais embaixadas nas Américas do que as potências coloniais. Tem embaixada em ilhazinhas do Caribe com menos habitantes que um bairro de Brasília”, critica.
Stuenkel, por sua vez, tem uma avaliação mais positiva. Segundo ele, as frequentes viagens internacionais de Lula contribuíram, por exemplo, para aumentar a integração entre órgaõs de segurança na América do Sul, assim como o fluxo de investimentos externos para o Brasil e de empresas brasileiras no exterior.
“A redução das viagens presidenciais é algo ruim porque o Brasil é uma das dez maiores economias do mundo e, como a gente vê nos outros principais países, a diplomacia presidencial hoje é fundamental”, afirma Stuenkel.
“A ausência do presidente (Temer) nesse sentido faz o Brasil voltar um pouco àquela posição pré-FHC. Foi no governo dele que o Brasil começou a atuar como membro mais ativo nas discussões globais”, recorda.