Regulamentações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), principal órgão à frente da força-tarefa contra as fake news nas eleições, começam a partir de uma tentativa de montagem de protocolo. O Exército Brasileiro e a Polícia Federal fazem parte da equipe. Os militares ficarão responsáveis pelo fornecimento dos equipamentos, disponibilizando a área cibernética com softwares. A estratégia será anunciada ainda sem pontos de mudança na legislação, mas, com novas diretrizes para que investigadores e magistrados tenham um padrão para combater as notícias falsas. Também participam da criação desses mecanismos de defesa o Ministério Público Federal.
Entre os pontos estão a questão da territorialidade e a do juiz natural, que assumirá as principais denúncias. Segundo a assessoria de imprensa do Ministério da Justiça, o papel do Exército na força-tarefa será fornecer os meios para as investigações, disponibilizando toda a área de tecnologia militar. O repasse e a análise das informações serão conduzidos pela Polícia Federal, que deverá se reportar diretamente à Justiça Eleitoral, sob supervisão dos juízes da propaganda. Eles auxiliam os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) e o TSE no julgamento dos processos envolvendo propaganda eleitoral.
De Berlim, o presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, explicou ao Correio que a instituição criou uma “força de trabalho especial para o combate de notícias falsas nas eleições”. Os encontros começaram ainda em 2017 e foram retomados na primeira quinzena de janeiro. “É uma tentativa de, além de combater as fake news, alertar a população para o perigo que elas representam. Então, a ideia é conseguir antecipar situações e encontrar maneiras de prevenir. Com a ajuda de diversos setores, a Academia da Coordenação dos Serviços da Internet está dialogando com o intuito de criar mecanismos eficazes para as eleições de 2018.”
O ministro acredita que, diante de problemas ocorridos nas recentes disputas eleitorais nos Estados Unidos e na França, “o Brasil não pode fingir que isso não vá ocorrer aqui”. “Tínhamos reclamações em 2014, mas agora, com as mudanças da reforma política dando protagonismo à internet, esse campo deve ser ainda mais explorado por quem quer espalhar as fake news. A tentativa de implementar mudanças é necessária especialmente porque as próprias decisões judiciais perdem efetividade diante da difusão tão intensa das mensagens na rede. Não adianta você mandar tirar uma informação dos sites de busca, por exemplo, porque ele apenas mostra onde está a notícia. E notificar todos os portais com os mandados é um trabalho inglório e pouco palpável.”
A segunda reunião do Conselho Consultivo estabelecido pela Presidência do TSE debateu, na última segunda-feira, as novas regras para a propaganda eleitoral na internet, especialmente no que se refere às fake news. A reunião foi conduzida pelo secretário-geral da Presidência do TSE, Luciano Fuck. “É importante passar as informações para juízes, eleitores e candidatos conseguirem diferenciar quais ferramentas são apropriadas, definir o que é o impulsionamento positivo que a legislação permitiu, daqueles outros mecanismos de spam que prejudicam bastante os serviços e que podem prejudicar até os procedimentos das eleições.”
Prevenção
Na pauta do encontro estiveram os seguintes temas: levantamento da legislação pelo mundo; modelagem API; cartilhas de conscientização e manuais de procedimentos; criação de ambiente virtual para recebimento de denúncias e sugestões; e composição do Conselho Consultivo. De acordo com o secretário-geral do TSE, o foco do Conselho Consultivo não está na punição, mas na prevenção do que pode ser feito para coibir a utilização das fake news durante as eleições de 2018.
O juiz Carlos Alberto Martins, que esteve à frente da Coordenação de Organização e Fiscalização da Propaganda Eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TRE-DF) nas últimas eleições, garante que, “com a previsão de que as campanhas vão se fortalecer na internet, as ameaças de fake news aumentam”. Por isso, garante, é importante que o TSE organize e distribua as diretrizes a serem seguidas em 2018. “Temos que contar com esse planejamento, pois, da mesma forma que um rumor não se cria do dia para a noite, os mecanismos de segurança para combatê-los também não.”
Para o professor da Universidade de São Paulo (USP) Daniel Falcão, doutor em direito eleitoral, “a gente corre o risco de esbarrar em uma legislação muito frágil, porque ainda é tudo novo demais”. “A primeira vez que um presidenciável teve problemas reais com boatos desmedidos contra candidatos na internet foi nas eleições do Trump, há 14 meses. Há bastante força no tema, principalmente no TSE, mas o combate ainda é um grande mistério. Muito mais de que quem vai ganhar, a grande dúvida é vermos quem vai resistir.”
O diretor executivo da Fundación Para El Nuevo Periodismo Iberoamericano, Ricardo Corredor, acredita que “as notícias falsas não são um fenômeno novo, pois a manipulação e a desinformação existem desde sempre. Nesses momentos do jornalismo, vale lembrar os princípios básicos da profissão: investigação rigorosa com vários pontos de vista, reportagem com fontes primárias, narração verdadeira que busque dar contexto e a perspectiva dos leitores. É uma ética com base na independência, na responsabilidade e na transparência”, afirma Ricardo Corredor, responsável pela instituição criada pelo escritor colombiano Gabriel Garcia Marques, com sede em Cartagena, na Colômbia.
À frente da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV DAPP), Marco Aurelio Ruediger participou da mesa de debate “Propaganda Eleitoral e Bots”, no TSE, apresentando recente pesquisa da instituição sobre interferências de contas automatizadas em momentos-chave da política brasileira. O estudo “Robôs, redes sociais e política no Brasil” identificou que os bots — mecanismos de disseminação de informações eletrônicas — chegaram a responder por mais de 20% das interações ocorridas no Twitter na greve geral de abril do ano passado. Durante as eleições presidenciais de 2014, os robôs geraram mais de 10% do debate. Esse levantamento é um dos pontos de partida para as soluções que o Tribunal Superior Eleitoral busca implementar.