Durante o período das Capitanias Hereditárias no Brasil, – digo no início da nossa Colonização – , (1534 a 1536), foram concedidas algumas terras, mediante carta de doação e forais e com efeito, a partir dali, temos a notícia da primeira organização política judiciária do país.
Após esse período, D. João III determinou, em 1548, a criação de um Governo-Geral, expedindo-se quatro regimentos, destinados ao Governador-Geral, ao Provedor-Mor, ao Ouvidor-Geral e aos Provedores Parciais. Na oportunidade, o Governador-Geral, Tomé de Souza, desembarcou na Bahia em 29 de março de 1549, sendo Ouvidor-Geral Pero Borges.
Na verdade, o primeiro Tribunal foi criado em 1587, na cidade de Salvador, denominado Tribunal de Relação, mas somente começou a funcionar no ano de 1609, no qual, depois foi transferido para a cidade do Rio de Janeiro em 1763.
Com o decorrer do tempo, chegou ao Brasil a Família Real Portuguesa, que veio refugiar-se após a invasão de Portugal por Napoleão Bonaparte. Foi aí que o regente D. João, em 1808, criou a Casa de Suplicação do Brasil que era considerada como o Superior Tribunal de Justiça, com o objetivo para que se findassem ali todos as lides em última instância.
Somente com a independência do Brasil e com a promulgação da Constituição de 1824, foi instituído o Supremo Tribunal de Justiça, composto a época por 17 Juízes, isso no ano de 1829.
O Supremo Tribunal de Justiça, integrado por 17 juízes, foi instalado em 9 de janeiro de 1829, na Casa do Ilustríssimo Senado da Câmara, tendo subsistido até 27 de fevereiro de 1891.
O nome “Supremo Tribunal Federal” foi adotado na Constituição Provisória publicada com o Decreto n.º 510, de 22 de junho de 1890, e repetiu-se no Decreto n.º 848, de 11 de outubro do mesmo ano, que organizou a Justiça Federal. Entretanto, a Constituição de 1934 mudou a denominação do órgão para “Corte Suprema”, restaurado na Constituição de 1937. Finalmente a Constituição de 1988, ora vigente, realçou expressamente a competência precípua do Supremo Tribunal Federal como guarda da Carta Magna.
Feita essas digressões históricas, – que retirei dos anais do STF -, me reporto a um passado mais recente, para trazer a baila alguns componentes daquela Alta Corte de Justiça que foram referência, quando com seus próprios brilhos nos deram exemplo de honradez e de como se deve comportar e agir um Ministro do STF.
Falo de dois Paraibanos, o Ministro Djaci Alves Falcão e o Ministro Luiz Rafael Mayer, que tive o privilégio de conhecê-los e testemunhar os inúmeros exemplos, seja através de suas decisões judiciais, seja através de suas vidas pessoais no exercício da Magistratura.
O Ministro DJACI ALVES FALCÃO, nasceu na cidade de Monteiro, Paraíba, – lugar que sempre fazia questão de mencionar, nunca escondia as suas origens – a 4 de agosto de 1919. Ele é filho de Francisco Cândido de Mello Falcão, natural de Pernambuco, e de Inês Alves Falcão, natural da Paraíba. Casou-se com a Senhora Maria do Carmo de Araújo Falcão, de cujas núpcias nasceram três filhos: Francisco Cândido, que integra atualmente o Superior Tribunal de Justiça, Maria da Conceição Falcão e Luciano de Araújo Falcão, ambos Advogados.
Bacharelou-se em Direito, pela Faculdade de Direito do Recife, na turma de 4 de dezembro de 1943, – no verdor dos anos, como ele gostava de dizer – e era dono de um extenso e rico currículo. Foi nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal em 1º de fevereiro de 1967, onde até a sua aposentadoria em janeiro de 1989, foi Ministro do STF durante a gestão de 8 (oito) Presidentes da República.
Tive o privilégio de desfrutar de sua amizade através do meu querido e amado Pai o Professor João Aguiar, (como ele o chamava) desde meados de 1977. Eles se conheceram casualmente naquele ano, em um posto de gasolina em Brasília, quando o Professor João, então Diretor da Prática Forense do Curso de Direito da UFPB, buscava trazer para a Paraíba um excelente e novíssimo instrumento e fonte pesquisa jurídica chamado PRODASEN (Programa de Desenvolvimento e Processamento de Dados do Senado Federal). Naquela mesma oportunidade, o Ministro ao saber de tal intuito e sem mesmo ainda conhecer o Dr. João, de pronto, disse que se colocava a disposição para auxiliá-lo em tal intento, com o objetivo de ajudar os operadores do direito, principalmente os professores e alunos da UFPB, bem como a outras pessoas e órgãos que necessitassem de fazer pesquisa jurisprudencial e bibliográfica.
De fato, o convênio foi celebrado entre o Senado Federal na pessoa de seu Presidente o Senador Petrônio Portella e a UFPB, na pessoa do então Reitor o Dr. Linaldo Cavalcanti, (grande incentivador), funcionando ali na Praça João Pessoa, exatamente na Antiga Faculdade de Direito. A partir daí, se acostaram ao convênio a Procuradoria do Estado, na pessoa do então do ex Desembargador de saudosa memória, meu querido amigo e padrinho de batismo o Dr. Luiz Bronzeado. Teve ainda a Justiça Federal Secção da Paraíba, como conveniada, na pessoa do Dr. Ridalvo Costa, então Diretor daquele Fórum e não poderia esquecer o Tribunal de Contas do Estado na pessoa do Dr. Otacílo Silveira, lembrando ainda da Prefeitura Municipal de Campina Grande, na pessoa do Prefeito Enivaldo Ribeiro. Apenas para ilustrar teve como primeiro acesso e frequentador assíduo, o atual Desembargador Federal do TRF da 5a Região o Dr. Alexandre Luna Freire, que até hoje é um homem antenado e versado nas novas tecnologias. Contava ainda com a prestimosa ajuda da EMBRATEL, na pessoa do Superintendente o Dr. Daniel Magalhães que cedeu duas linhas telefônicas, interligadas diretamente com o Senado Federal em Brasília, por duas horas ininterruptas diariamente, ou seja, um grande benefício a época. Foi um sucesso e que teve a contribuição valiosa e imprescindível do Ministro Djaci.
O que me chamava muita atenção nele, era o seu tom de voz forte, mas com brandura e que com muita fidalguia exercia sobre todos os que o ouviam, as suas sábias palavras, uma liderança natural. Lembro-me que em diversas visitas a João Pessoa, ele frequentava a minha casa, e sempre que isso acontecia o saudoso amigo o Dr. Marconi Goes de Albuquerque, Superintendente dos Diários Associados no Estado, ligava a procura do Ministro com a intenção de que algum jornalista do Jornal o Norte pudesse entrevistá-lo, o que desde logo advertia que se colocaria a disposição, mas somente para falar sobre a cidade de Monteiro a sua história, cultura e afins, mas nunca sobre política e outros assuntos nos quais pudessem antecipar suas decisões. Ele sempre dizia que Juiz só fala nos autos dos processos, eu particularmente não entendia, ainda por ser muito jovem e me intrigava com aquele posicionamento. Mas hoje, vendo a exposição midiática excessiva dos Ministros atuais, concordo plenamente com ele.
Lembro saudoso do seu discurso quando aposentou-se no STF, ele bradou;
“Devo dizer que não se deve subestimar a missão do Poder Judiciário, a quem se incumbe a solução derradeira dos conflitos de várias espécies, numa sociedade complexa, cheia de tensões e de almas inquietas. Daí por que sempre me empenhei, com objetividade, acima de qualquer sectarismo, pela valorização do magistrado e por modificações na estrutura judiciária, para a modernização dos serviços necessários ao seu regular funcionamento. O Supremo Tribunal Federal, nos limites conferidos pela Constituição, sem delúios de grandeza, com imperturbável serenidade e altivez, na trajetória de secular história tem a sua atuação jurisdicional voltada para o cumprimento do direito positivo e efetivação dos valores da Justiça.”
Esse era em apertada síntese, na minha humilde visão, o Dr. Djaci Falcão, meu amigo, da minha família, padrinho de meu casamento, de minha turma de Direito e que veio a falecer dia 26 de janeiro de 2012, em Recife, aos 92 anos de idade. Ele faz falta.
Ombreado com Dr Djaci, conheci o Dr. LUIZ RAFAEL MAYER, filho de Marcolino Mayer de Freitas e Lydia Rafael Mayer, igualmente nasceu em Monteiro – Paraíba, em 27 de março de 1919. Foi casado com D. Leide Diógenes Mayer, e dessa união nasceu uma filha de nome Rafaela Diógenes Mayer.
Em 1939, ingressou na Faculdade de Direito do Recife, bacharelando-se em 1943, era portador de um extenso e rico currículo Jurídico que dispensa apresentação nesse espaço, foi nomeado pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República, para exercer o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, por decreto de 13 de dezembro de 1978. Ascendeu à Presidência em 17 de dezembro de 1984, afastando-se em 6 de setembro de 1985. Foi eleito para a Presidência daquele Tribunal, novamente, em sessão de 10 de dezembro de 1986, exercendo-a no biênio de 10 de março de 1987 a 10 de março de 1989.
Aposentou-se em 14 de março de 1989 e continuou desempenhando, desde então, atividades de advocacia e consultoria jurídica, com inscrição principal na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Pernambuco, e inscrição suplementar na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Distrito Federal.
Nós Advogados e em especial OAB Nacional, “devemos” a ele, o Ministro Rafael, o desligamento definitivo da Ordem, de qualquer órgão governamental, haja vista que em 1964, o Governo Federal, empenhou-se em submeter-nos ao controle do Executivo. A princípio, através do decreto-lei 200, que tratava da Reforma Administrativa das Autarquias, pelo qual a instituição ficaria vinculada ao Ministério do Trabalho e Previdência Social.
Em 1968, o então Presidente da OAB, Raymundo Faoro, externou sua disposição em adotar todas as providências jurídicas cabíveis contra a anunciada restrição que vinha sendo articulada pelo Presidente Geisel.
A segunda investida ocorreu mediante o decreto 74.000 de 1974, pelo qual o Conselho Federal e os Conselhos Seccionais da OAB ficariam na dependência do Ministério do Trabalho “para efeito de supervisão ministerial”, o que importava em cerceamento das atividades cumpridas por nós Advogados.
O impasse somente encontrou o seu desate na pessoa do consultor-geral da República, Luiz Rafael Mayer, que em maio de 1975 em memorável e salomônico parecer, teve a OAB, deferido pelo Presidente Geisel o seu intento, libertando naquela oportunidade das amarras governamentais o exercício da Advocacia.
Desfrutei de sua amizade pessoal e me aconselhei demais com ele, seja em sua residência em Recife ou ainda em Brasília onde desempenhava a missão de Consultor Jurídico. Emitia dali verdadeiras obras jurídicas, fui seu aluno durante muito tempo.
De compleição física um pouco franzina, ele tinha uma força impressionante e uma “caneta infalível”…me disse certa vez e nunca mais esqueci essa lição; “Dr. André, o melhor Advogado é aquele que melhor sabe e consegue “grifar” o direito de seu Constituinte”. Eis uma grande verdade que trago até hoje, e tento imprimir em minha profissão.
Ele faleceu dia 23 de novembro de 2013, em Recife, aos 94 anos, me deixou saudades.
No presente, o STF passa por uma grande crise de instabilidade, e não me cabe aqui apontar os culpados, mas talvez ao olhar para o passado, notadamente para os componentes daquele Pretório Superior, possamos encontrar algumas respostas no momento atual.
O bom juiz é conservador por natureza. Digo por natureza, pois o verdadeiro conservadorismo não é uma ideologia, mas um modo de ser, um estado de espírito, que se consubstancia num modo de ver e agir no mundo. Ao negar as ideologias, o conservador se recusa a prender-se em modelos doutrinários ideais de sociedade, em abstrações e receitas heterodoxas.
Ao contrário, enquanto conservador, o bom juiz se pauta naquilo que é perene, que sempre deu certo, naquilo que sobreviveu ao vendaval das experiências, naquilo que empiricamente funciona. Daí a necessidade de garantir segurança jurídica em suas decisões, seguindo precedentes firmados nos princípios fundamentais, favorecendo a necessária estabilidade social.
Claro, tudo isso sem enrijecer-se em um imobilismo total, visto que as sociedades se dinamizam em mudanças, de modo que o direito deve se adaptar às transformações sociais. Mudar o que é necessário, sem destruir o que há de bom; adaptar o caso concreto à lei, sem deturpar o sentido legal originário: eis um grande dilema dos juízes.
Aqui vislumbro o Futuro, com o uso de novas tecnologias, mais fluído e acessível, mais perto da realidade e mais arejado de interferências externas. Renovo pois, as minhas esperanças, para que o STF esteja sempre pautado nos valores eternos como a busca da verdade, a justiça e a valorização da vida, como princípios guias da conduta humana, servindo de norte para os grandes juízes na história da humanidade, a exemplo de reis justos, anciãos sábios e magistrados probos.
ANDRÉ AGUIAR.
ADVOGADO
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