O Brasil mudou muito nas últimas três décadas, mas uma coisa é certa: Renan Calheiros (MDB), hoje senador por Alagoas, sempre esteve no centro do poder. Mesmo com o nome mergulhado em processos, entre eles da Operação Lava-Jato, Renan não só conseguiu ser um dos poucos da sua geração a se salvar da onda de renovação, reelegendo-se para o quarto mandato na Casa Legislativa. Agora, é cotado como favorito à presidência do Senado, cargo que ocupou por quatro vezes, e acena aproximação com o governo de Jair Bolsonaro (PSL).
O cacique já esteve ao lado de Fernando Collor de Mello (então PRN), Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT). Ironicamente, só não manteve boa relação com Michel Temer, também do MDB. “Jamais se pode ser presidente de um poder sem conversar com o presidente da República. Isso é elementar. A hora em que ele (Bolsonaro) me chamar, eu vou”, disse, em entrevista ao jornal O Globo na sexta-feira. No fim do ano, em artigo no seu site, escreveu que “quer ajudar o novo governo”, embora tenha apoiado a pré-candidatura de Lula e feito campanha para Fernando Haddad (PT).
“É o modus do MDB, que aprendeu a racionalizar como se manter no poder, conseguindo identificar o ponto de pular do barco e o ponto de entrar no barco”, afirma o doutor em ciências políticas Ranulfo Paranhos, professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Desde que chegou ao Congresso Nacional, em 1982, quando eleito deputado federal por Alagoas, Renan sempre esteve no primeiro escalão da política e vem depurando como poucos a habilidade de se manter nele, independentemente das circunstâncias.
Nos bastidores, a conta é de que ele teria cerca de 50 votos dos 81 parlamentares. A decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, de manter a votação ao comando do Senado secreta foi comemorada por Renan. “A Constituição democrática não pode ser mudada na goela ou na canetada”, escreveu no Twitter. Juntos com Renan, estão na disputa os senadores Major Olímpio (PSL), Simone Tebet (MDB-MS), Tasso Jereissati (PSDB-CE), Davi Acolumbre (DEM-AP), Alvaro Dias (Podemos-PR) e Esperidião Amin (PP-SC).
Articulação – Embora não assuma a candidatura oficialmente, pois a definição do candidato pelo partido está marcada para dia 31, Renan está trabalhando em torno de seu nome à presidência desde a reeleição, em outubro, quando conquistou 621,5 mil votos, ficando com a segunda vaga ao Senado. Ele conseguiu se safar do ranço dos eleitores em torno da “velha política” e se manter no cargo, diferentemente de vários de seus colegas, como Romero Jucá (MDB-RR), Edison Lobão (MDB-MA) e Garibaldi Alves (MDB-RN).
A façanha foi alcançada apesar dos oito processos em tramitação contra ele no STF e demais investigações que o mantêm no alvo da Justiça, incluindo a Lava-Jato. “Existem duas estratégias básicas quando você tem muitos holofotes. Ou você procura as sombras e tenta não aparecer na mídia, para que a Justiça não se sinta na obrigação veloz para dar uma resposta, ou você ocupa o centro do poder, para ajudar a fazer defesa. Renan optou pela estratégia número 2”, diz Paranhos.
Apesar das denúncias contra ele, Renan acabou beneficiado em Alagoas pelo fato de seu herdeiro biológico e político, o governador de Alagoas Renan Filho (MDB), que acabou se reelegendo para comandar o estado, ter feito uma gestão sem grandes escândalos. “Mesmo com a crise, ele conseguiu construir estradas, fazer pequenos reparos e acabou bem avaliado”, conta Paranhos. Também se valeu da boa penetração do MDB nas prefeituras de Alagoas. “Mais de 70% dos prefeitos apoiavam Renan e conseguiram dar uma base de sustentação. Renan também tem uma relação de camaradagem com as pessoas e é uma figura que, no trato pessoal, passa credibilidade”, ressalta.
Processos – Ao longo das décadas, Renan conseguiu pular de “barco em barco” e foi dos poucos caciques a não naufragar (veja linha do tempo). Também tem passado imune pelos processos dos quais foi alvo. O ex-deputado Eduardo Cunha, que presidiu a Câmara dos Deputados no mesmo período, por exemplo, está preso desde 2016 por causa da Lava-Jato.
Em 2007, Renan chegou a renunciar à presidência do Senado para evitar a cassação do mandato. Primeiro, foi acusado de ter despesas pagas por lobista da construtora Mendes Júnior, que bancava as contas de relacionamento extraconjugal do senador. Depois, de comprar rádios e um jornal de Alagoas em nome de laranjas.
Em 2016, foi temporariamente afastado da presidência do Senado pelo STF por causa do processo relacionado ao caso extraconjungal, no qual acabou absolvido no ano passado. Em um dos processos envolvendo o senador, a Lava-Jato apontou envolvimento de Renan com o recebimento de mais de R$ 1 milhão em propina no esquema da Guerra dos Portos, além de lavagem de dinheiro.
O senador também esteve em meio a polêmicas que envolvem empresas-fantasma, uso de avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para ir a festas e outras tantas já arquivadas. Mesmo depois das denúncias, conseguiu se reeleger mais duas vezes presidente do Senado e agora, no início de seu quarto mandato, volta a ser tratado como forte candidato ao comando da Casa legislativa, onde pode completar 32 anos de atividade parlamentar.