A proposta de reforma do RH do Estado entregue pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, já era dirigida principalmente aos novos servidores, mas incluía alguns pontos que mexia com os que estão trabalhando, como a revisão do sistema de licenças e gratificações, que estimula, na visão do ministério, uma percepção negativa da sociedade em relação aos servidores por terem privilégios em relação aos trabalhadores da iniciativa privada.
Anuênios (adicionais nas remunerações por cada ano de trabalho) e licenças-prêmio (licença remunerada concedida a cada cinco anos de serviço) seriam benefícios que passariam por uma revisão. O último foi extinto para novos servidores federais a partir de 1997, mas ainda é comum em Estados e municípios.
Pente fino – Desde o anúncio da retomada da reforma, um pente-fino começou a ser conduzido pelos técnicos do governo para garantir que a determinação do presidente de excluir os atuais servidores seja cumprida.
“Importante, sinalizando para o futuro, a retomada das reformas. A reforma administrativa é importante. Como o presidente deixou claro, desde o início, não atinge os direitos dos servidores públicos atuais, mas redefine toda a trajetória do serviço público para o futuro, serviço de qualidade, com meritocracia”, disse ontem Guedes, ao lado do presidente. Apesar disso, os gastos com servidores atuais ainda podem virar alvo das propostas de “gatilho” de ajuste para evitar o descumprimento do teto de gastos, que limita o avanço das despesas à inflação.
Devem permanecer no texto mudanças na estabilidade, que passa a ser exclusiva para carreiras de Estado. Na Proposta de Emenda à Constituição (PEC), não serão elencadas que carreiras são essas – a determinação deve ficar para um segundo momento, mas deve contemplar auditores da Receita e diplomatas, por exemplo. Os demais servidores devem ser contratados pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), com possibilidade de demissão.
Outra proposta da reforma é limitar o salário de entrada dos servidores públicos, mas a definição do valor também não deve estar na PEC. Na elaboração do texto, o valor máximo em discussão era de R$ 5 mil. Um raio-x do serviço público feito pelo Banco Mundial apontou que 44% dos servidores começam ganhando acima de R$ 10 mil, 22% entram com remuneração superior a R$ 15 mil e 11% ingressam com contracheque já superior a R$ 20 mil.
Um técnico-administrativo de universidade entra ganhando R$ 4,8 mil por mês, enquanto um professor de ensino superior ganha inicialmente R$ 10,3 mil mensais. Carreiras policiais têm salário inicial de R$ 11,1 mil e diplomáticas, R$ 13,4 mil. Áreas de fiscalização e controle, como as da Receita Federal, R$ 17,6 mil. Carreiras jurídicas estão no topo, com salário inicial de R$ 24,1 mil.
Cálculos do Banco Mundial apontam que a redução do salário inicial a R$ 5 mil e mudanças na progressão de carreira (para tornar mais longo o caminho até o topo) poderia render economia de R$ 104 bilhões aos cofres públicos até 2030.
Os servidores públicos federais já fazem lobby contra mudanças nas carreiras. Nas últimas semanas, representantes de sindicatos e associações intensificaram os contatos com deputados e senadores, que têm sido bombardeados com telefonemas e mensagens.
Rapidez – No Congresso, lideranças afirmam que o texto pode ser aprovado mais rapidamente do que a reforma tributária, que prevê simplificação de impostos. A aprovação de uma emenda à Constituição – como requer mudanças nas regras do funcionalismo – exige apoio de três quintos da Câmara (no mínimo 308 votos de 513 deputados) e no Senado (49 de 81 senadores).
A decisão de retomar a reforma administrativa foi tomada após um “realinhamento político” da agenda pós-pandemia, após o adiamento do envio da proposta e o próprio pedido de demissão do secretário de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, Paulo Uebel, terem repercutido mal entre investidores. Em junho, o presidente Jair Bolsonaro chegou a dizer que a reforma ficaria para o ano que vem.
Lideranças que participaram do café da manhã com Bolsonaro e Guedes no Palácio da Alvorada também veem na estratégia uma forma de atender à pressão do mercado por um ataque mais incisivo à trajetória explosiva de gastos. A despesa com pessoal é a segunda maior do Orçamento, atrás apenas da Previdência, que já foi alvo de uma reforma aprovada no ano passado. Em 2021, o governo federal deve gastar R$ 337,345 bilhões com salários e outros benefícios aos servidores.
“Esses debates estruturais podem dar melhor condições para que os programas que o governo quer implementar possam ter um espaço maior no teto de gastos para os próximos dois três anos”, afirmou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Segundo líderes do governo, a reforma administrativa deve tramitar ao mesmo tempo que a tributária, mas as duas estão em estágios diferentes. Enquanto a administrativa começará pela Câmara dos Deputados, a tributária está numa comissão mista formada por deputados e senadores, onde ainda se espera chegar a um texto de consenso.
Por isso, líderes que participaram do encontro no Alvorada afirmam que a sinalização é de que a administrativa passará à frente da tributária e terá andamento mais célere, “por ser menos traumática”, enquanto a equipe econômica ganha tempo para um acordo na tributária. De um lado, o Congresso quer uma reforma ampla, que inclua Estados e municípios. De outro, a equipe de Guedes enviou um projeto de lei que unifica PIS e Cofins, mas também pretende desonerar a folha de salários e compensar a arrecadação com a criação de um tributo sobre transações, nos moldes da antiga CPMF.
“Todas as reformas são fundamentais. O que a articulação política do Executivo e o Congresso podem contribuir é com o tempo e a ordem inteligente de aprovação”, diz o líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO).
Veja os principais pontos da reforma administrativa:
- Estabilidade: Fim da estabilidade para novos servidores, exceto em certos casos, para carreiras consideradas de Estado
- Carreiras: Redução significativa do número de carreiras, que hoje ultrapassam 300
- Progressão: Fim da progressão automática por tempo de serviço
- Contratação: Criação de contrato de trabalho temporário e estímulo à contratação pela CLT por concurso
- Salários: Aproximação entre os salários do funcionalismo e os do setor privado; redução dos salários de entrada a ampliação do prazo para chegar ao topo da carreira
- Lei de greve: Regulamentação da lei de greve no setor público, prevista na Constituição
- Regras: Criação de novo Código de Conduta para o funcionalismo
- Desempenho: Regulamentação da avaliação de desempenho, também prevista na Constituição; implantação de sistema adicional de avaliação, além do concurso, para certas carreiras
- Executivos: Adoção de novo sistema de avaliação e seleção de altos executivos para o setor público
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