Notícias

Protestos de esquerda no Peru matam 50, mas não se fala em ‘terrorismo’

É no mínimo curiosa a falta de adjetivos criativos em torno do noticiário, no Brasil, sobre os protestos políticos violentos no Peru. Manifestantes de esquerda pedem a dissolução do Congresso, além da soltura do ex-presidente Pedro Castillo, preso por tentar um golpe de Estado no fim de 2022. Os protestos peruanos que provocaram quase 50 mortes não são coisa de “golpistas” ou “terroristas”, nas manchetes brasileiras. Bem ao contrário das alusões ao badernaço do dia (8) em Brasília, sem mortes.

No Peru, como em qualquer democracia, protestos saem do controle, mas o desafio é não permitir que sejam pretexto para surtos autoritários.

No Natal, atos em Paris contra a morte de 3 curdos feriram centenas, com vandalismo, incêndios. Não se falou em “terrorismo”, lá e nem aqui.

O vandalismo em Brasília foi inaceitável e os responsáveis devem ser punidos, mas seu uso oportunista tem servido a vinganças e retaliações.

O direito à livre manifestação, inclusive de ideias, é valor inegociável na democracia, mas no Brasil tem sido relativizado sem freios ou oposição.

Restrição à reunião pública foi pilar do AI-5 – O Ato Institucional nº5 (AI-5) é unanimidade entre juristas e historiadores como o mais duro golpe da ditadura contra direitos fundamentais no Brasil. Marcou o início dos anos de chumbo e serviu como pilar da legislação autoritária do regime militar. A primeira ordem do AI-5 foi dissolver o Congresso, e deu ao presidente da República o poder de intervenção nos governos estaduais e de cassar os direitos de cidadãos.

Lembrar é preciso – Como descreveu Elio Gaspari no magnífico “A Ditadura Escancarada” (ed. Intrínseca, SP, 592 pp., 2014), o AI-5 oficializou a ditadura no Brasil.

Soa familiar? Com o AI-5, o governo pode restringir manifestações e reuniões públicas, impor censura prévia à imprensa e às artes e confiscar bens por decreto.

Outra semelhança – Um cacoete da ditadura era se referir a opositores como “subversivos” ou “terroristas”, com o intuito de endurecer medidas repressivas.

No Ato Institucional nº 5, a ditadura militar no Brasil chamou a dissolução do Congresso Nacional de “recesso decretado” e a cassação de direitos políticos de cidadãos e representantes eleitos era apenas “suspensão”.

Pouco fez o caríssimo aparato policial exibido para proteger os Três Poderes na quarta-feira (11), que sumiu no domingo (8). Foram viaturas, centenas de homens e helicópteros para monitorar… dois manifestantes.

DP – Cláudio Humberto

Mais popular