Ministro da Fazenda esteve por quatro anos à frente do conselho consultivo da J&F, holding que reúne as empresas dos irmãos Batista, entre elas a JBS.
Não há lista de presidenciáveis para uma eventual eleição indireta que não inclua o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Se o destino levá-lo ao Palácio do Planalto, o Brasil terá como presidente da República um homem do mercado financeiro.
Meirelles é, por origem, um profissional do mercado, mas participa da vida pública, em postos de destaque, há mais de uma década. Há um ano é o braço forte da economia do governo Michel Temer (PMDB) e já teve função fundamental em manter a macroeconomia nos eixos durante os dois mandatos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no comando do Banco Central de 2003 a 2010. Mas, antes disso, construiu uma sólida carreira internacional na área financeira, no BankBoston, onde em 28 anos de trabalho chegou à presidência global do banco.
O que nem todo mundo lembra é que Meirelles voltou ao mundo corporativo neste intervalo e assumiu, de 2012 a 2016, a presidência do conselho consultivo da J&F, a holding que reúne as empresas dos irmãos Wesley e Joesley Batista, entre elas a JBS, no olho do furacão do mais recente escândalo da política brasileira, desencadeado na Operação Patmos.
Após deixar o Banco Central e cumprir um ano de quarentena não faltaram opções. Segundo o noticiário da época, no início de 2012 Meirelles recebeu pelo menos 12 ofertas de emprego do setor privado, dentre elas a presidência dos bancos Barclays e Goldman Sachs no Brasil.
Optou pelo posto na J&F com a missão de profissionalizar a companhia, criando mecanismos de tomada de decisão mais independentes, a exemplo do que já haviam feito outras grandes empresas familiares, como Natura e Gerdau. “O Meirelles não vai ser apenas um consultor. Vai cobrar resultados dos executivos e traçar estratégias para a expansão do negócio”, disse Joesley à imprensa na época. A ideia era a abertura do capital da holding.
Foram mais de dez encontros e, antes de aceitar o convite, Meirelles assegurou-se de que não correria nenhum risco. Reuniu advogados e consultores para esmiuçar os balanços da JBS e recorreu a alguns conhecidos para checar o histórico empresarial dos Batista.
Foi de Meirelles a ideia de começar pela criação de um conselho consultivo, forma de não se vincular de forma mais profunda aos negócios da empresa.
Mas, claro, não foi só o desafio profissional que atraiu o veterano. Quando assinado, o contrato previa uma remuneração anual de até 40 milhões de reais.
Em março de 2016, quando seu nome já era cogitado para um eventual governo do então vice-presidente Michel Temer, Meirelles assumiu a presidência do Banco Original, também do grupo J&F. A missão era fazer da empresa, uma pequena instituição focada em crédito agrícola para fornecedores, o principal banco digital do país.
Convidado por Temer para assumir a Fazenda, Meirelles deixou o grupo em maio de 2016.
Campeãs nacionais
Já naquela época, início de 2012, a JBS era alvo de críticas por ter recebido mais de 5 bilhões de reais em empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Ao mesmo tempo, a dívida da empresa, na casa dos 10 bilhões de reais, e a falta de mecanismos de governança fazia com que suas ações caminhassem de lado. Da abertura de capital, em 2007, até 2012 a valorização era de apenas 3% ante 24% do Ibovespa. Apenas o anúncio da chegada de Henrique Meirelles fez com que as ações da JBS subissem.
Empresa familiar criada a partir de um açougue na cidade de Anápolis (GO), a JBS se tornou a maior processadora de carnes do mundo e a maior empresa privada em faturamento no Brasil, só perdendo para a Petrobras.
A holding J&F reúne, além da JBS, empresas dos mais variados setores, como Banco Original, Eldorado Celulose e Alpargatas, da marca Havaianas. A J&F Investimentos se anuncia como o “maior grupo econômico privado do país”, empregando mais de 260 mil pessoas em mais de 30 países. Os irmãos se dividem na operação do grupo.
O grande salto se deu a partir de 2007, quando a empresa decidiu abrir seu capital, mudou o nome de Friboi para JBS e deu início a um processo de internacionalização com o apoio do BNDES. O faturamento do frigorífico passou de R$ 4 bilhões em 2006 para R$ 170 bilhões em 2016.
A JBS foi uma das beneficiadas pela chamada política de campeões nacionais do BNDES, que tinha o objetivo de financiar a internacionalização de grupos brasileiros. Além de financiar o grupo, o BNDES comprou uma participação na JBS por meio da BNDES par – braço do banco estatal que compra participações em empresas. Hoje o BNDES é dono de 21% da JBS.
Capitalizado com crédito e dinheiro dos novos sócios, a JBS foi às compras. Em março de 2007, o grupo anunciava a compra da norte-americana Swift por US$ 1,4 bilhão, se tornando a maior empresa do mundo de alimentos de origem bovina. Começava a trajetória de expansão internacional, que incluiu a aquisição de outras gigantes como a Pilgrim´s Pride (empresa de frangos nos EUA) e do frigorífico brasileiro Bertin e da Seara, passando a ser também a maior produtora global de carne de aves.
Em 2014, a JBS se tornou a segunda maior empresa do setor de alimentos do mundo, atrás apenas da Nestlé, com um faturamento na casa dos 120 bilhões de reais. Em 2016, a receita líquida da JBS somou 170,38 bilhões de reais, mais que a mineradora Vale.
Meirelles não cedeu
Na última quarta-feira 17 veio a público o relato da conversa gravada entre Joesley Batista e o presidente Michel Temer. A conversa esbarra em Meirelles quando Joesley pergunta a Temer sobre como tratar de interesses da JBS junto à Receita Federal. Em sua delação, o empresário lembra que o atual ministro da Fazenda “trabalhou conosco por quatro anos” mas, segundo Joesley, Meirelles “nunca me atendeu em nenhuma reivindicação”.
O empresário diz, então, que foi perguntar a Temer como levar Meirelles a “saber que isso era de interesse” de Temer. O empresário afirma que conversou nos seguintes termos com Temer: “Olha, presidente, nós precisamos combinar algum jeito, que eu peço as coisas para o Henrique, e de alguma forma você fique sabendo e mande ele fazer”. Temer teria dito que “pode avisar pra ele (Meirelles) que (você) tem meu apoio” para qualquer tema de interesse da empresa.
Um dia antes da bomba que Joesley ajudou a acionar, seu irmão, Wesley, afirmou em teleconferência para analistas, na terça-feira 16, que ainda vê o segundo semestre como uma janela para a realização da abertura de capital da holding, mas ressaltou que o negócio ocorrerá quando a avaliação da subsidiária pelos investidores não for afetada por assuntos como as operações da Polícia Federal.
Foco nas reformas
Pelo menos para o mercado a reputação do ministro da Fazenda não se abala. Na segunda-feira 22 Meirelles passou a manhã e o início da tarde em uma teleconferência com investidores brasileiros e estrangeiros.
No decorrer da conversa, segundo notícias veiculadas pela imprensa econômica, o ministro foi questionado sobre se Temer fica, ao que respondeu que trabalha com a hipótese de permanência do presidente. “Aceitaria substitui-lo?, quis saber outro investidor. Meirelles disse ser “um homem prático”, que trabalha com a realidade e que, na sua avaliação, o presidente segue no cargo.
O ministro da Fazenda acrescentou então que, nesse contexto, a missão dele é tocar a agenda econômica.
Se o universo das finanças precisa de estabilidade, a declaração de Temer causou estranheza no mundo político. O senador Renan Calheiros (PMDB-AL) afirmou: “se eu fosse presidente, ontem teria demitido Meirelles que saiu pra dizer que ia tocar as reformas com Michel ou sem Michel”
Esclarecimentos na Câmara
Embora as gravações não tragam indícios de envolvimento de Meirelles e o então executivo tenha se blindado num cargo consultivo, na segunda-feira 22 o deputado federal Ivan Valente (Psol-SP) protocolou um requerimento de convocação para que o ministro da Fazenda preste esclarecimentos à Casa sobre as transações que resultaram nos empréstimos do BNDES às empresas da holding J&F. Na terça-feira 23 foi a vez do deputado Edmilson Rodrigues (Psol-PA) protocolar requerimento com o mesmo objetivo
Há suspeitas ainda sobre empréstimos irregulares da Caixa Econômica Federal que, somados aos concedidos pelo BNDES chegariam a 15,5 bilhões de reais.