Com três pedidos de abertura de processos de impeachment já protocolados na Câmara Municipal, o prefeito Marcelo Crivella depende, agora, de uma forte articulação nos bastidores da Casa para recompor sua base entre os vereadores e evitar que as propostas cheguem a plenário. A costura política passa, principalmente, pelo fortalecimento do apoio do MDB. Mesmo desgastado no estado por causa dos escândalos envolvendo o ex-governador Sérgio Cabral e as denúncias da Operação Lava-Jato, o partido, que conta com nove cadeiras, ainda é a maior bancada do Legislativo carioca. Na bolsa de negociação, está o cargo de secretário da Casa Civil, que deve ficar vago com a provável saída de Paulo Messina (PRB) — ele vinha agindo como uma espécie de “primeiro-ministro” da cidade. Ontem, nos corredores do Palácio Pedro Ernesto, alinhava-se uma manobra que levaria para a pasta Dr. Jairinho (MDB), que já atua como líder do governo. Ele foi visto na prefeitura.
O problema para Crivella é que, segundo vereadores, ele perdeu credibilidade para fazer acordos depois de situações como a enfrentada por Messina, que anunciou seu desembarque da gestão municipal após entrar em rota de colisão com o secretário de Educação, Cesar Benjamin. Além de não conseguir apaziguar os ânimos entre seus assessores, o prefeito não teria sido enérgico com Benjamin, cujo temperamento é considerado explosivo. A amigos, Dr. Jairinho negou que esteja disposto a substituir Messina na Casa Civil.
REUNIÃO EM PALÁCIO FOI ESTOPIM
A crise surgiu depois que uma reportagem publicada pelo GLOBO na semana passada revelou detalhes de uma agenda secreta de Crivella no Palácio da Cidade, em Botafogo. Ele se reuniu com pastores evangélicos e, entre várias benesses oferecidas, prometeu agilizar cirurgias de catarata, vasectomia e varizes para frequentadores de suas igrejas, além de isenção de IPTU para os templos.
Hoje, a sustentação do prefeito na Câmara é frágil. Por enquanto, pode ser suficiente para conter um processo de impeachment, mas, com os últimos acontecimentos, a situação não é considerada confortável. A oposição começou a se movimentar para conseguir assinaturas de 17 vereadores: com elas, ainda este mês seria suspenso o recesso da Casa, que vai até 1º de agosto. A volta dos parlamentares ao trabalho abriria caminho para discussões sobre os pedidos de impeachment durante sessões extraordinárias. Até ontem, nove vereadores de cinco partidos haviam assinado o protocolo de convocação e outros quatro teriam se comprometido a aderir ao movimento, de acordo com a oposição.
A Lei Orgânica do Município estabelece que todo o processo de um impeachment, da abertura até a confirmação do afastamento em definitivo, necessita de duas votações. Nelas, é preciso obter pelo menos dois terços dos votos, ou seja, o respaldo de 34 dos 51 vereadores do Rio. Em conversas reservadas, aqueles que querem a saída de Crivella admitiam que, nos cálculos mais otimistas, hoje está garantido o apoio de pelo menos 22 nomes, podendo chegar a 25 votos.
— Uma adesão maior ao processo vai depender do apoio das ruas. Hoje, acho que não passaria, apesar de até a base governista estar descontente com o prefeito pelo fato de ele não cumprir acordos. Às vezes, começa honrando o que foi combinado, mas, um mês depois, cancela tudo, até mesmo nomeações políticas. Há ocasiões em que o vereador descobre que foi enganado ao ler o Diário Oficial. Ali, vê que alguém que indicou para um cargo foi exonerado sem explicação — disse um integrante da base aliada.
A Mesa Diretora tem dúvidas de como conduziria uma eventual tramitação de pedidos de impeachment. A assessoria jurídica da Casa vai analisar se cabe um juízo de admissibilidade prévio ou se todos serão discutidos em plenário. Em teoria, qualquer pessoa maior de 21 anos pode entrar com uma representação no Legislativo pedindo o afastamento do prefeito. Os processos que começaram a ser protocolados, ontem, foram abertos pelo vereador Átila Alexandre Nunes (MDB), pelo PSOL (assinado pelo deputado estadual Marcelo Freixo e pela presidente regional do partido, Isabel Lessa), e pela Associação dos Servidores do Município.
Integrante da base do prefeito, o presidente da Câmara, Jorge Felippe (MDB) disse ontem que não se furtará em abrir um processo de impeachment se forem obtidas as assinaturas necessárias.
— Se 17 vereadores pedirem a interrupção do recesso da Casa, convoco uma sessão extraordinária no dia seguinte. No entanto, não me sentiria confortável para fazer uma autoconvocação porque estou na linha sucessória — argumentou Felippe.
O presidente da Câmara assumiria a prefeitura por 90 dias ou até a realização de uma nova eleição, caso Crivella seja afastado em definitivo. Isso aconteceria porque o cargo de vice-prefeito está vago: Fernando Mac Dowell morreu em maio deste ano.
Ontem, a equipe de Crivella sofreu uma baixa. A subsecretária de Comunicação da prefeitura, Inni Vargas, pediu demissão no início da tarde, como informou o blog do colunista Ancelmo Gois, do GLOBO. Ela negou ter tomado a decisão por conta da reunião do prefeito com pastores no Palácio da Cidade. Mas, pelos corredores do Centro Administrativo São Sebastião, comenta-se que a jornalista saiu porque vinha fazendo recomendações que não estariam sendo seguidas pelo alto escalão do Executivo.
OPOSIÇÃO ESTÁ CONFIANTE
Se um processo de impeachment for aberto, Crivella não será o primeiro prefeito do Rio a conviver com essa situação. O ex-prefeito Saturnino Braga conseguiu escapar de ser afastado, no fim da década de 1980, por apena um voto. Na época, o município enfrentava uma crise financeira que o levou a atrasar salários de servidores e a interromper serviços básicos, como a coleta de lixo domiciliar.
Ontem à tarde, vereadores de oposição se articulavam para tentar obter o apoio necessário à convocação extraordinária da Câmara:
— Há indícios suficientes de que a reunião no Palácio da Cidade contou com elementos que comprovam crime eleitoral e improbidade administrativa. A Casa tem que interromper seu recesso — afirmou Teresa Bergher (PSDB).
Fernando William (PDT) acrescentou:
— A análise dos pedidos de impeachment pela Procuradoria da Câmara dará o embasamento jurídico necessário à abertura de um processo de afastamento.
Já Tarcisio Motta (PSOL) disse que o prefeito misturou o interesse público com o religioso ao promete benesses para pastores evangélicos:
— O acesso aos serviços tem que ser igual para toda a população.
Procurado, por meio de sua assessoria de imprensa, para comentar o assunto, o prefeito não quis se manifestar.