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Palácio da Alvorada recupera acervo estimado em R$ 2,5 milhões antes de receber Bolsonaro

O Palácio da Alvorada, primeira construção de alvenaria pronta na nova capital, ainda em 1957, já era grandiosa. Terminada com urgência para abrigar com conforto a família do primeiro morador, o presidente Juscelino Kubitschek, a obra que é um dos mais conhecidos projetos de Oscar Niemeyer está “vazia”. Vazia é exagero – mesmo sem moradores, uma equipe de mais de 20 pessoas trabalha diariamente para manter tudo em ordem na expectativa de que a família do presidente eleito, Jair Messias Bolsonaro, ocupe suas suítes em 2019.

Foi essa janela de tempo sem moradores – depois do impeachment de Dilma Rousseff, Michel Temer teve uma rápida passagem pela residência oficial da Presidência da República, mas preferiu voltar para o Palácio do Jaburu, destinado ao vice – que permitiu o belo trabalho de recuperação da história do Palácio da Alvorada, comandado pela Diretoria de Documentação Histórica da Presidência da República, a DDH. Autorizada por Michel Temer, a equipe montou uma Comissão de Curadoria para restaurar o palácio como nos planos originais do autor e da decoradora oficial do projeto, a filha Anna Maria Niemeyer. Esta é a primeira tentativa, desde a construção do edifício, de manter os móveis como foram inseridos originalmente.

Nesta Comissão, além de membros da própria DDH havia representantes do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Distrito Federal (Iphan-DF), do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), da Secretaria de Comunicação (SeCom) e um estudioso do Instituto Federal de Brasília, escola que possui uma oficina de restauro de mobiliário. Todos contribuíram para que o Palácio da Alvorada tivesse de volta seus móveis originais (encontrados em condições sofríveis em galpões espalhados por Brasília), posicionados nos locais definidos pelos Niemeyer e com belas histórias para contar. Um ano e meio se passou desde que as intervenções começaram e agora há apenas uma pendência a ser resolvida: a retirada de uma parede de gesso acartonado que cobre um grande espelho, colocada ali durante o mandato de Fernando Collor. Vale ressaltar que o gasto total da recuperação do mobiliário – cerca de R$ 3,8 mi entre Alvorada e Planalto – não deve ser considerado como absoluto, porque boa parte dos serviços foi executada pelas oficinas de marcenaria e serralheria dos quadros do governo federal.

O Salão de Estado recebe os convidados do presidente quando ele trabalha sem sair de casa ao redor da mesa de 6 metros, que tem base de jacarandá e latão e tampo de pau-ferro. Encontrada em péssimo estado, seu restauro – reconstituição da base, polimento do metal dourado oxidado e fabricação de novo tampo – atinge os R$ 300 mil, um dos valores mais altos entre os móveis restaurados. No grande painel de madeira que reveste a maior parede do ambiente ainda é possível ver a sombra de uma estante – não prevista no projeto de Anna Maria Niemeyer – que ocupava o lugar. Guardada, ela deu lugar a uma tapeçaria de Di Cavalcanti que até pouco tempo atrás ficava em exibição na sala ao lado, onde fica a Biblioteca do Palácio. Uma profissional de São Paulo veio a Brasília para cuidar da limpeza (cerca de 1 kg de pó foi aspirado da peça) e outra do Paraná cuidou da fixação da obra de arte em seu novo-velho posto.

A fachada dos fundos é tão fotogênica quanto a da frente. Olhos atentos percebem a varanda suspensa atrás dos pilares esculturais que viraram símbolo da cidade. Ali foi instalada – e logo depois retirada – a polêmica rede de proteção necessária à segurança de Michelzinho, filho do presidente Temer. Pouco depois do ocorrido, as muitas críticas à descaracterização do projeto contribuíram para que a família permanecesse no Palácio do Jaburu.

Há novidades no Alvorada. “Depois de uma longa negociação, acertamos a doação de uma obra de Amílcar de Castro para compor o acervo do Palácio da Alvorada”, comemora Antônio Thomaz Lessa Garcia Júnior, nome à frente da Diretoria de Documentação Histórica, responsável pela negociação. “O artista plástico mineiro não tinha nenhuma obra constante no acervo da Presidência da República, mesmo tendo sido contemporâneo de Oscar Niemeyer e marcado presença na história da arte nacional. A peça que agora ocupa um local de passagem na área pública do Alvorada está assegurada em 1 milhão de reais”, completa. Quem lhe faz companhia é a marquesa criada por Oscar e Anna Maria Niemeyer e outra tapeçaria de Di Cavalcanti, esta última mais pálida graças ao tempo seco do cerrado.

Fotos de Marcel Gautherot e de Thomaz Farkas, capturadas pouco depois da inauguração do Alvorada, serviram de norte para o reposicionamento do mobiliário nos pontos planejados originalmente. “Nosso intuito era devolver cada item ao seu lugar, como Oscar Niemeyer determinou e gostaria que sua obra fosse vista”, detalha João Carlos Ramos Magalhães, assessor na Diretoria de Documentação Histórica. Algumas pequenas ressalvas foram feitas por motivos nobres, como para manter obras de estátuas de Alfredo Ceschiatti cedidas à residência oficial em posição de destaque, por exemplo. As mudanças na disposição ficam visíveis para quem observa as manchas de tapetes no piso de madeira nobre. O brutalidade do clima de Brasília constantemente põe em questão a segurança de algumas obras de arte expostas.

 

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