Em 30 de outubro deste ano, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi eleito para o seu terceiro mandato à frente da Presidência da República. O petista governou o país de 2003 a 2010, quando venceu José Serra (PSDB) e Geraldo Alckmin (PSDB), agora vice-presidente eleito. Consagrado vitorioso com 50,9% dos votos válidos, no segundo turno das eleições de 2022, o petista volta ao Palácio do Planalto 20 anos após sua primeira eleição ao cargo e deve encontrar um Brasil dividido, fruto da intensa disputa política que se desenhou nos últimos 12 meses.
Em seu discurso da vitória, Lula prometeu governar pelos 215 milhões de brasileiros e afirmou: “Não existem dois Brasis, somos um só país, uma só grande nação”. Entretanto, na visão de especialistas, não são poucos os desafios que o presidente eleito deve enfrentar, seja no aspecto econômico, seja no campo social e até mesmo de governança. Neste cenário, o site da Jovem Pan ouviu cientistas políticos, economistas e pesquisadores para explicar:
Quais os desafios do futuro governo Lula?
Congresso Nacional – Considerando a próxima formação do Congresso, com renovação de 40% dos parlamentares, o primeiro desafio do terceiro mandato de Lula na Presidência será a capacidade de diálogo com o Parlamento. Essa dificuldade já foi evidenciada com a tramitação da PEC ‘fura-teto’. Ainda que o texto tenha sido aprovado com folga no Senado Federal, entre os deputados a matéria sofreu maiores resistências e a aprovação custou ao presidente eleito uma de suas promessas de campanha: o fim do Orçamento Secreto. Paulo Niccoli Ramirez, cientista político da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), enxerga que a tendência é que Lula enfrente ainda mais resistência e dificuldades para formação de uma maioria, o que deve obrigar o petista a ceder cargos e buscar alianças com antigos caciques da política, tudo em nome da governabilidade. “E aí voltamos para a velha política do ‘toma lá, dá cá’ do fisiologismo político, do Centrão”, afirmou em entrevista ao site da Jovem Pan.
Impeachment – Com a falta de maioria entre os congressistas, Ramirez pontua que outro desafio de Lula será justamente sobreviver ao fisiologismo político. O cientista político lembra que todos os ex-presidentes desde o processo de redemocratização do Brasil foram “reféns” da velha política, o que pode conferir governabilidade, mas tem seus riscos. “O Collor não seguiu, levou ao impeachment. A Dilma também não seguiu e sofreu impeachment. E todos os demais presidentes, inclusive o Lula, tiveram que ceder. Essa política de coalizão faz parte da democracia, mas tem um preço”, pontua o especialista. Considerando apenas os atuais aliados (PT, PV, PC do B, PDT, PSB, PSOL, Rede e Solidariedade), Lula terá, a partir de 2023, o apoio de 122 dos 257 deputados necessários para atingir maioria simples, quórum exigido, por exemplo, para aprovar projetos de lei. As emendas constitucionais exigem 308 votos em dois turnos. No Senado Federal, a base lulista soma 16 senadores, enquanto as principais matérias a serem aprovadas exigem, no mínimo, 41 votos favoráveis.
União da Frente Ampla – Para além das dificuldades com o Congresso e os riscos da velha política, a economista Simone Pasianotto, da Reag Investimentos, pontua que um desafio de Lula em 2023 será manter “unida e atuante” a frente democrática constituída durante a campanha para criar o “alicerce” de governabilidade, ao mesmo tempo que apresenta os primeiros resultados à população. “Composição dos ministérios, seus objetivos, justificando as escolhas. O sucesso dos primeiros 100 dias é fundamental, então esse momento aqui é bastante crítico. Para manter sua sustentabilidade, Lula vai tentar se apoiar na sua base eleitoral, cuja renda familiar não ultrapassa os dois salários mínimos. Então ele vai definir quais políticas e programas serão implementados, com vista a elevar a renda da população e reduzir seus graus de vulnerabilidade”, afirmou a economista, que espera uma transformação do Bolsa Família, ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda até R$ 5 mil e implementação do programa de renegociação de dívidas como primeiras apostas.
Ascensão da direita e a ‘herança’ de Bolsonaro – Ainda nos aspectos políticos, outro desafio apontado para o terceiro mandato de Lula na Presidência é enfrentar a “herança” do governo Bolsonaro, que é a ascensão do próprio bolsonarismo. A bancada do Partido Liberal será a maior do Legislativo, composta por 99 deputados e 15 senadores. Com isso, o entendimento é que mesmo com a derrota nas eleições 2022, o presidente Jair Bolsonaro (PL) mantenha influência e capital político, e o aumento da base direitista na Câmara e no Senado pode tumultuar o Congresso, criando mais entraves para o governo Lula e levando ao Parlamento um embate entre lulismo e bolsonarismo. “Isso pode criar polêmicas, desvios de foco e travar todas as propostas de Lula. Além disso, foram muitos benefícios que os militares, por exemplo, receberam do Bolsonaro com a publicação de portarias, como a que permitiu ultrapassar o teto salarial do funcionalismo público. Isso pode criar uma comparação e mal-estar para Lula. Esses imbróglios podem, de fato, cair nos braços do Lula e prejudicá-lo”, conclui Ramirez.
Promessas de campanha x responsabilidade fiscal – A economista Patrícia Krause, da Coface América Latina, vai além das dificuldades de governabilidade e aponta que um desafio-chave para o presidente eleito será conciliar o combate à pobreza e aumento dos programas sociais e acenos ao mercado. Na visão de Krause, Lula terá que definir como cumprir suas promessas de campanha – como o Bolsa Família de R$ 600 mensais com adicional de R$ 150 por criança e isenção do IR até R$ 5 mil, por exemplo – e manter a responsabilidade fiscal. “É um momento desafiador não só para o Brasil, mas globalmente”, pontua a economista. Na contramão das promessas de campanha, Patrícia Krause enumera que as prioridades do mercado para 2023 incluem a reforma tributária e a construção do novo arcabouço fiscal. “O prazo é agosto de 2023. Então, apresentar um novo arcabouço fiscal que seja crível também pode ser um sinal positivo”, justifica.
Recessão global – Do ponto de vista econômico, Alessandro Azzoni, economista e membro do Conselho Deliberativo da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), acredita que um dos principais desafios será o impacto da economia global. Ele cita projeção de aumento de 43% das commodities a partir de 2023, o que pode refletir na inflação; aspectos da guerra entre Rússia e Ucrânia; e a desaceleração da economia dos Estados Unidos e da Europa como pontos de atenção para o futuro governo. “Vamos começar a sentir agora no primeiro semestre a desaceleração. Esses aspectos são muito agravantes para a situação econômica brasileira, além do cenário interno”, pontua, citando também aumento do risco fiscal, o que indica “fragilidade” ao mercado. A economista Cristiane Quartaroli, do Banco Ouroinvest, endossa a preocupação com o cenário mundial. “Temos uma guerra em curso, desaceleração do crescimento na China, risco de recessão global. Tudo isso acaba afetando o Brasil porque somos um país emergente. Dependemos muito de outros países, sobretudo da China e Estados Unidos. Se eles não crescem ou crescem menos, a gente tem um efeito ruim para a nossa economia também”, acrescenta.
PIB negativo, juros altos e inflação – Já para o cenário nacional, Cristiane Quartaroli enumera outros desafios do governo Lula. Em uma leitura para 2023, ela cita projeções de juros altos e inflação também em patamar elevado, reconhecendo ainda as estimativas de baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Neste cenário, a economista defende que o governo alinhe as expectativas com o mercado. “Grande desafio vai ser reconquistar essa confiança, principalmente do empresariado, para que o país possa crescer de forma sustentável. Estamos em um ciclo econômico difícil. O mundo inteiro está com risco de recessão, então não é um cenário fácil. O ministro da Fazenda vai encontrar desafios com o mercado e com a economia”, conclui. Para 2023, o relatório de mercado Focus, do Banco Central, divulgado em 12 de dezembro, indica projeção de crescimento do PIB de 0,75%, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação, em 5,08% e a Selic – que representa a taxa de juros – em 11,75%.
Jovem Pan