Opinião

O STF ameaça a democracia

O Brasil tem visto e ouvido quase todos os dias, nesta reta final das eleições de 2022, alertas abundantes e sucessivos sobre a importância de se cuidar da democracia; por mais relevantes que sejam as questões de governo que se colocam para os próximos anos, a manutenção do estado democrático de direito deveria ser a prioridade máxima do momento na vida política brasileira. De fato, o que está em jogo é a democracia — ou, para falar de maneira mais precisa, o sistema de direitos individuais, liberdades públicas e obrigação de se respeitar a lei que a Constituição Federal determina para a sociedade brasileira. Só que as advertências estão sendo feitas na direção errada. Quem ameaça à democracia, mais que qualquer outra força, é justamente quem passa o tempo todo falando em defender o regime democrático — o Supremo Tribunal Federal e o restante do alto judiciário nacional.

Não se trata aqui, absolutamente, de discordância com as sentenças que saem dos galhos de cima da justiça brasileira — a reclamação de quem acha que as coisas devem ser de um jeito e fica frustrado porque o juiz decide que são de outro, como num jogo de futebol sem possibilidade de recurso ao VAR. O problema com o STF está nos fatos. A leitura objetiva das suas decisões, estritamente isso, deixa patente que a Constituição e as leis do país estão sendo violadas em público e de forma permanente pelos ministros. Desrespeitar a lei ou colocar-se acima dela, usando para tal a força do cargo público, é o que se pode fazer de pior contra a democracia — e é isso, desrespeitar a lei, que o STF está fazendo na frente de todo mundo e na hora que bem entende.

O STF mantém aberto um inquérito criminal perpétuo e flagrantemente ilegal. Ignora as prerrogativas do Ministério Público no processo acusatório; não respeita nem mesmo os seus pedidos de arquivamento das denúncias, por falta de provas. Exige que o governo responda a grotescos pedidos de “explicações” feitos por partidos políticos de esquerda, ou por meros oportunistas; não se sabe, aí, se são os oportunistas que manipulam a suprema corte do Brasil, ou se é suprema corte que utiliza os oportunistas para atacar o governo. É ruim num caso e no outro — e pior se forem as duas coisas ao mesmo tempo.

O STF se coloca na posição de vítima das “forças antidemocráticas”; reclama dos “ataques” que recebe (qualquer crítica ao tribunal e aos seus ministros é considerada como um atentado à democracia), e acusa os desafetos de estarem querendo criar uma ditadura no Brasil. Mas até agora é justamente o STF, no mundo dos fatos e das realidades, quem está agredindo objetivamente a democracia brasileira. Faz isso ao violar a lei, intrometer-se na campanha eleitoral e dizer que não aceita nenhuma contestação a qualquer das suas decisões eleitorais — não aceita de jeito nenhum, antes mesmo que a contestação tenha sido feita. Ou seja: segundo o STF, o sujeito perde a causa sem nunca ter tido a oportunidade de abrir a boca para explicar o que está pedindo. Defender a democracia, sem dúvida nenhuma, é algo muito importante neste momento.

J.R. Guzzo

(Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 12 de outubro de 2022)

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