A Justiça do Trabalho aceitou denúncia e tornou réus o influenciador Hytalo Santos e o marido dele, Israel Vicente, conhecido como Euro, por tráfico de pessoas para exploração sexual e trabalho em condições análogas à escravidão.Play Video
O Ministério Público do Trabalho na Paraíba (MPT-PB) emitiu nota, nesta sexta-feira (12), sobre os desdobramentos no caso de Hytalo Santos e Euro. O casal de influenciadores é acusado de exploração sexual de crianças e adolescentes em João Pessoa através de vídeos com danças sensuais e insinuações sexuais, divulgados nas redes sociais.
De acordo com o MPT-PB, “com base em robustos elementos de prova reunidos nos autos do Inquérito Civil n.º 002369.2024.13.000/3, o Grupo Especial de Atuação Finalística (GEAF) do MPT concluiu que ‘Hytalo Santos’ e seu esposo, Israel Nata Vicente, conhecido como ‘Euro’, comandaram, ao longo de anos, com o concurso de vários outros agentes (pessoas físicas e jurídicas), um lucrativo esquema de tráfico de pessoas para fins de exploração sexual e de submissão a trabalho em condições análogas à de escravo, com dezenas de vítimas, incluindo crianças e adolescentes.”
Ainda segundo o MPT-PB, o processo judicializado em 18 de agosto de 2025, “tramita em regime de segredo de justiça, para que sejam resguardadas informações sensíveis e para que não haja indevida publicização das repugnantes situações de violência a crianças e adolescentes descritas nos autos, evitando-se, assim, a revitimização.”
O Ministério Público do Trabalho na Paraíba lembrou “que trata exclusivamente das repercussões trabalhistas do caso (aspectos não criminais), considerando que, nos termos da Convenção n.º 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Decreto n.º 6.481/2008, exploração sexual e trabalho em condições análogas à de escravo estão catalogados como duas das piores formas de trabalho infantil.”
Tráfico de pessoas – O MPT-PB acusa Hytalo Santos e Euro de se aproveitarem da vulnerabilidade socioeconômica de famílias carentes.
“Aproveitando-se da situação de vulnerabilidade socioeconômica de famílias carentes, ‘Hytalo Santos’ e ‘Euro’ aliciaram crianças e adolescentes provenientes da cidade de Cajazeiras-PB (as chamadas ‘crias do HS’) e os abrigaram na residência do casal em João Pessoa, numa espécie de ‘arranjo familiar’ ilícito, que não encontra respaldo na legislação nacional”, diz o órgão.
“‘Compraram’, mediante a promessa de fama instantânea, a oferta de custeio de despesas básicas de manutenção (moradia, alimentação e educação), o pagamento de ajuda financeira fixa
mensal e a ocasional doação de presentes, o consentimento dos pais das vítimas, pessoas de baixa instrução, ludibriadas pela perspectiva ilusória de que seus filhos desfrutariam de segurança financeira e um padrão de vida mais confortável ao lado dos réus”, acrescentou.
Exploração sexual – O Ministério Público do Trabalho ainda apontou que “a investigação realizada pelo MPT desvelou o cometimento de múltiplas formas de exploração sexual, tanto em ambiente digital quanto no mundo real (offline).”
O MPT-PB cita que Hytalo e Euro “obtinham diversas formas de monetização por meio da exploração da imagem e o corpo das crianças e adolescentes por eles aliciados. Diariamente, as ‘crias’ eram exibidas, em fotos e vídeos postados nas redes sociais, seminuas, com trajes sumários e provocativos, protagonizando danças sensualizantes e vexatórias, ao som de letras com alusão explícita a práticas sexuais e depreciativas à figura da mulher.”
O órgão mencionou, também, que “paralelamente a isso, as ‘crias’ acompanhavam o casal de exploradores em festas e viagens, frequentando ambientes moralmente tóxicos, incluindo redutos do crime organizado, nos quais eram ostentadas como ‘troféus’ e ‘oferecidas como prêmio’ em contextos de tráfico de influência, troca de favores, parcerias comerciais e relações de compadrio.”
E que “para o atingimento desses objetivos, Hytalo Santos e Euro submeteram adolescentes a um calculado processo de transformação corporal, destinado à potencialização de seu apelo sexual, por meio de sucessivos procedimentos estéticos.”
Trabalho em condições análogas às de escravo – Outro ponto mencionado pelo MPT-PB corresponde ao trabalho em condições análogas às de escravo. O órgão disse que “as testemunhas ouvidas na esfera extrajudicial – incluindo ex-assessores particulares e policiais militares encarregados da segurança do casal de influenciadores – descortinaram os bastidores da casa em que viviam os integrantes da ‘Turma do HS’, relatando que as ‘crias’ eram submetidas, de forma cumulativa, às seguintes contingências:
– isolamento do convívio familiar;
– confisco de meios de comunicação com o mundo externo;
– ausência de convívio social mais amplo;
– cerceamento da liberdade de ir e vir;
– rígido controle sobre sua rotina;
– agenda exaustiva de gravações, inclusive com privação de sono;
– ausência de remuneração;
– supressão da autonomia individual;
– ausência de autonomia financeira;
– coação psicológica (ameaça permanente de descarte);
– e ingerências sobre a definição de sua identidade de gênero e sua orientação sexual.”
O entendimento do MPT-PB é que “visualizados em seu conjunto, tais elementos apontam para a existência de um quadro de cárcere privado e trabalho em condições análogas à de escravo (segundo a perspectiva contemporânea de escravidão definida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Fazenda Brasil Verde).”
Pedidos feitos na Justiça – O MPT-PB destacou que “respaldado em normas internacionais de direitos humanos e visando prevenir futura responsabilização do Estado brasileiro no cenário internacional”, fez os seguintes pedidos na Justiça do Trabalho:
“(a) a definitiva cessação e a não repetição das gravíssimas lesões a direitos humanos denunciadas;
(b) o pagamento de indenização por dano moral coletivo, no montante de R$ 12.000.000,00 (doze milhões de reais);
(c) a reparação dos danos individualmente causados às crianças e adolescentes vítimas de exploração, mediante o pagamento de indenizações individuais que variam de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) a R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais);
(d) e concessão de medidas adequadas de proteção e assistência às vítimas, incluindo o fornecimento de acompanhamento médico, psicológico e social.”
Pais e mães responsabilizados – O Ministério Público do Trabalho entende, também, que pais e mães dos adolescentes têm responsabilidade na situação por terem permitido a ida deles para a casa de Hytalo e Euro apontando que:
– “mediante recebimento de vantagens materiais (presentes e ajuda financeira mensal), entregaram seus filhos a terceiros, de forma manifestamente ilegal;
– permitiram que seus filhos passassem a residir a centenas de quilômetros de sua cidade natal, rompendo, radicalmente, os laços de convivência familiar e social dos adolescentes;
– submeteram-se, passivamente, ao regime de isolamento familiar imposto por “Hytalo Santos” e “Euro”, alijando-se da missão de educar seus filhos;
– demitiram-se do encargo de supervisionar a vida escolar e a saúde dos filhos;
– com sua postura negligente, permitiram que seus filhos fossem submetidos a múltiplas formas de violência, incluindo exploração sexual e trabalho em condições análogas à de escravo.”
O relatório do Ministério Público do Trabalho na Paraíba ainda cita “os genitores das vítimas demonstram não compreender a gravidade das múltiplas violências a que seus filhos foram submetidos. Esse estado de alienação causa o receio de que eles, enquanto não compelidos por uma proibição judicial, seguiriam coonestando com a submissão dos adolescentes a práticas de exploração – por “Hytalo Santos” e “Euro” ou por quaisquer outras pessoas.” E pede que sejam impostas, sob pena de multa, obrigações aos pais e mães, como:
“(a) não permitir que seus filhos com idade inferior a 18 (dezoito) anos, inclusive emancipados, participem de produção de conteúdo digital com conotação sexual;
(b) não permitir que seus filhos com idade inferior a 18 (dezoito) anos, inclusive emancipados, sejam submetidos a exploração sexual de qualquer natureza;
(c) e não permitir a submissão de seus filhos a quaisquer das piores formas de trabalho infantil, tal como definidas no Decreto n.º 6.481/2008.”
MPT aponta “irrelevância do ‘consentimento’ das vítimas e de seus genitores” – Segundo o MPT, os adolescentes não enxergam a gravidade da situação. “A maneira como os adolescentes explorados posicionaram-se publicamente sobre as acusações formuladas contra Hytalo Santos e Euro revelam que eles não enxergam a gravidade da situação a que foram submetidos e são incapazes de se reconhecerem na posição de vítimas”, declarou o órgão.
E que “tal postura, que poderia despertar alguma perplexidade, é relativamente comum entre vítimas de exploração sexual e de trabalho em condições análogas à de escravo, como em outras situações de abuso ou opressão, como sequestros e casos de violência doméstica, sendo explicada pela psicologia a partir de um fenômeno psíquico que se convencionou chamar de Síndrome de Estocolmo.”
Apoio emocional aos adolescentes – Segundo o MPT, a pedido do órgão, a Justiça do Trabalho enviou ofício às Defensorias Públicas do Estado da Paraíba e da União e às unidades da Rede de Assistência Social, como CREAS, CRAS e CAPSi, para “imediato fornecimento de assistência psicológica, médica e social.”
Hytalo Santos se defende – Em carta publicada no início da semana por Kamylinha, a principal jovem que convivia com Hytalo e Euro na mansão em João Pessoa, Hytalo Santos declarou que não existiu “tráfico, exploração, pedofilia e nenhum tipo de abuso” às crianças e adolescentes que moravam com ele.
ClickPB