Orgulho da paraíba

Jackson do Pandeiro; obra do músico paraibano permanece forte

Alagoa Grande, Município da Paraíba, com 28,4 mil habitantes, a 118 quilômetros de João Pessoa, Alagoa Grande recebe gente do Brasil e do mundo, que chega lá em busca dos primeiros passos de um dos nomes disruptivos da música brasileira. Há exatos 100 anos, completados em 31 de agosto, nascia José Gomes Filho, fruto da união do oleiro Zé Gomes e de Flora Mourão, cantadora de coco. Como que avisando ao visitante que ali é território sagrado da música, um monumento em forma de pandeiro abre as portas da cidade, que se desenvolveu em torno de lagoa emoldurada por casas coloridas que desenham a geografia. “Jackson já veio com o ritmo no sangue. A mãe dele era coquista, muito requisitada na região. Desde muito cedo, ele tocava zabumba ou ensaiava alguns toques iniciais de percussão. Foi ali que ele decidiu ser um músico profissional”, conta o escritor Fernando Moura, coautor com Antônio Vicente, da biografia Jackson do Pandeiro: o rei do ritmo (Editora 34).

Perceber a geografia da cidade, que fica na região do Brejo da Paraíba, interligando o litoral ao sertão, nos dá pistas para entender a música de José Gomes Filho, que, depois de ter saído de lá, já em Campina Grande, trocou o nome de batismo para Jackson. A reportagem do Estado de Minas foi à Paraíba, por ocasião das comemorações do centenário de Jackson do Pandeiro, para ouvir especialistas, músicos populares e nomes que despontam da música contemporânea – como mostramos no vídeo Para entender: para ouvir Jackson do Pandeiro. No entanto, por generosidade, a Paraíba dá sempre mais: no domingo de céu nublado e chuva fina, no Memorial Jackson do Pandeiro, testemunhamos turma de 50 alunos, que tocavam sucesso de Jackson com flauta doce, escaleta e lira.

A turma do Instituto de Educação Infantil e Ensino Fundamental Virgem dos Pobres viajou uma hora e meia de Mogeiro a Alagoa Grande para prestar homenagem ao rei do ritmo. “Jackson do Pandeiro é o homem que marcou a nossa terra, a nossa história, com um ritmo que só ele pode fazer, tocando seu pandeiro. Tocou muitos instrumentos, mas o que mais se destacou foi o pandeiro, com que ele fez e faz ainda hoje sucesso. Jackson do Pandeiro foi um homem muito importante. Ele, quando era pequeno, ajudou a sua mãe, que não conseguia ter nada, porque seu pai tinha acabado de morrer, quando ele tinha 11 anos de idade. Ele foi um homem que marcou a história do Brasil e de toda cidade”, diz a pequena Iany Carla Borges dos Santos, de 8 anos.

Ela tem na ponta da língua sucessos como Sebastiana, de 1953, e Como tem Zé na Paraíba. “Ele foi fazer um jornal. E, nesse jornal, o radialista disse que estava faltando alguma coisa nele para fazer esse som. Era alguma coisa no nome dele. Então, botou Jackson, o rei dos ritmos. Ele tocava tudo, mas o principal era o pandeiro. Então, por isso ele acrescentou Jackson do Pandeiro”, conta a menina, colocando ênfase em Jack toda vez que pronuncia o nome do músico. Mas o nome artístico que Jackson adotou não foi aprovado pela mãe, como revelado no livro O fole roncou! Uma história do forró (Editora Zahar), de Carlos Marcelo e Rosualdo Rodrigues. “Mas é isso mesmo… Eu batizo um filho com nome de José, e vêm o diabo trocar o nome para um tal de Jack que eu não sei de onde saiu nem por onde entrou!”, disse a mãe.

Criado em 2008, o Memorial Jackson do Pandeiro, em Alagoa Grande, ocupa um casarão azul com janelões. O visitante encontra parte da discografia, instrumentos tocados ou fabricados por Jackson, o violão que ele tocou assinado por Juscelino Kubitschek, roupas da esposa Almira Calixto; fotos históricas, como o registro do encontro dele com Luiz Gonzaga, cordéis e revistas, recortes de jornais e vídeo contando a história dele. Entre tantas preciosidades, o visitante pode ouvir o primeiro LP de Jackson, gravado em 1953 em 78 rotações, com os sucessos que apresentaram Jackson, Sebastiana” e Forró do Limoeiro. O disco na vitrola irradia a música de Jackson para todo o Brasil. “Pra gente é uma satisfação enorme saber que um filho de Alagoa Grande, que era negro, nasceu pobre lá no engenho, afastado até da cidade, conseguiu pelo seu talento e seu esforço mudar a música no mundo”, analisa Marcelo Félix, secretário da Cultura e Turismo de Alagoa Grande. Jackson foi casado três vezes. A última esposa foi Nelza, que atualmente vive em João Pessoa.

Inspiração em múltiplas fontes – Jackson até os 35 anos  não sabia ler e escrever. Aprendeu com a segunda mulher, Almira. Mas era genial em termos musicais. Tocou diversos instrumentos e inovou na divisão rítmica. “João Bosco deu um exemplo bem feliz: falava, para o leigo entender, que o cantor normal era um passageiro que estava na estação. O trem chegava, ele entrava e seguia a viagem. Jackson era um passageiro que estava na estação. O trem chegava, ele entrava mais, depois ele estava dentro. Ele brincava com essa coisa de elasticidade do tempo. Conseguia deixar a coisa acelerar e depois pegar. Ele conseguia atrasar e depois chegar no tempo certo”, explica Sandrinho.

Jackson buscava inspiração em múltiplas fontes e a religião era um manancial para ele. A sonoridade dos terreiros de candomblé ou a filosofia do Universo em desencanto. “A fase racional foi momento bem importante. Momento que teve interação maior com religiosidade, assim como Tim Maia e vários artistas no Brasil tiveram. Ele participou desse momento e podemos perceber nas letras: falava da salvação, mãe natureza. Fica bem evidente no disco “Alegria minha gente”, que também é título de uma música”, diz Betinho Lucena, do grupo Os Fulanos.

Os afros batuques também aparecem na obra. “Jackson coloca os afro batuques.Pega totalmente o nosso som mais primitivo, a questão da África, tudo que envolveu os batuques”, completa. Essa fase foi apresentada em show preparado por Cabruêra e Os Fulanos, que abriu o Festival de Inverno de Campina Grande que, neste ano, homenageia o músico de Alagoa Grande.

“Sonoridade planetária” – Jackson viveu infância pobre, mas, desde muito cedo, se encontrou na música levado pelas mãos da mãe cantadora de coco. Depois da morte do pai, foi com a mãe para Campina Grande, em 1930, cidade economicamente pujante, no início do século 20, pela exportação de algodão, o ouro branco. Antes de se tornar músico profissional, Jackson teve outras ocupações. Trabalhou com entregador de pão e ajudante em padaria. Quando decidiu se dedicar exclusivamente à música, teve oportunidade de tocar bateria, mas escolheu o pandeiro. “Baterista vou ser o segundo, o terceiro [instrumentista], eu quero ser o primeiro. E realmente ele conseguiu com o pandeiro”, revela Fernando Moura.

O biógrafo lembra que, em Campina Grande, Jackson entrou em contato com a “sonoridade planetária”. “Campina era muito pulsante economicamente, devido ao algodão. Então passavam orquestras de todo o mundo por lá, big bands. Vinham para Recife, depois iam para Campina Grande. Ele participou de tudo isso, vivenciou e tocou”, conta.

Depois, mudou-se para João Pessoa e conviveu na Rádio Tabajara com a geração herdeira de Severino Araújo, o grande maestro da Orquestra Tabajara. Jackson também foi para Recife para inaugurar a Rádio do Jornal do Commercio, em 1948. “Participou de diversos grupos, diversas formações. Montavam as orquestras e dividiam os grupos para os programas variados durante o dia. Era tudo ao vivo. Em 1953, lançou Sebastiana, até contrariado. Era uma revista de carnaval, ele queria cantar uma marchinha, um frevo. Mas o diretor do programa disse que estava com intuição que ele deveria cantar um coco, herança de sua mãe. Ele foi e cantou. Foi um tremendo sucesso. Ele escolheu uma rádio atriz chamada Luíza de Oliveira. Na hora do a, e, i, o, u, y, ela deu uma umbigada nele e a plateia foi abaixo”, recorda Fernando.

Além de Campina Grande, João Pessoa e Recife, o Rio de Janeiro também conquistou Jackson, que demorou ir à capital fluminense por medo de avião. Ele estranhou a Cidade Maravilhosa à primeira vista, para depois eternizá-la na letra de Xote de Copacabana: “Eu vou voltar que não aguento/ O Rio de Janeiro não me sai do pensamento”. O rei do ritmo morreu em 10 de julho de 1982, em Brasília, por complicações do diabetes.

 

 

 

 

CB

 

Mais popular