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Governo vai colocar em prática o fim do monopólio dos Correios

A greve dos Correios durou mais de um mês e trouxe de volta ao debate público a antiga discussão sobre a privatização da estatal, uma das principais bandeiras da equipe econômica do governo Bolsonaro. A paralisação ocorreu em um momento em que o comércio eletrônico bate recordes por causa do isolamento social e milhares de micro e pequenas empresas têm apostado forte nas entregas. Porém, a privatização deve ocorrer apenas em 2022, como revelou esta semana o presidente dos Correios, Floriano Peixoto.

Em uma entrevista recente, o ministro das Comunicações, Fábio Faria, afirmou que grandes empresas de varejo e de entregas estariam interessadas no processo de privatização, mas precisou se corrigir, depois, ao explicar que nenhuma se manifestou oficialmente e que ele teria apenas deduzido um possível interesse das companhias.

O projeto de lei para privatização dos Correios será enviado para a assinatura do ministro das Comunicações ainda hoje. Segundo Diogo Mac Cord, secretário especial de Desestatização, Desenvolvimento e Mercados do Ministério da Economia, em entrevista à revista Exame, o projeto já está pronto e deve ser assinado para as próximas estâncias nos próximos dias. Entre os que defendem a privatização, um dos principais argumentos é o de que é retrógrado que a empresa funcione com recursos públicos e detenha algum tipo de monopólio em pleno século 21.

A reserva de mercado garantida por lei é do serviço de entrega de cartas. Este é responsável por cerca de 34,6% do faturamento bruto dos Correios (Franqueamento Autorizado de Cartas — FAC e Carta), de acordo com dados publicados no Diário Oficial em junho e relativos a 2019. Isso representa um valor de R$ 6,6 bilhões no ano passado — de um total de R$ 19,1 bilhões.

O modelo é utilizado por diversas empresas que enviam documentos e boletos para pagamento. Vale lembrar que, de acordo com o último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), um em cada quatro brasileiros ainda não tem acesso à internet e, portanto, não dispõe de ferramentas para realizar pagamentos on-line.

As entregas de encomendas, no entanto, não possuem reserva de mercado e são o carro-chefe da companhia, que conta com mais de 99 mil empregados. Os Correios possuem, também, uma dívida acumulada de R$ 2,4 bilhões. De acordo com informações enviadas à reportagem, a empresa está em recuperação econômica e houve redução desse passivo em cerca de R$ 100 milhões no último ano. A origem do deficit, segundo a nota, deu-se graças à “má gestão ao longo dos anos, somada às sucessivas greves”.

Para Marcos César Alves Silva, vice-presidente da Associação dos Profissionais dos Correios (Adcap), a privatização dos Correios seria prejudicial aos pequenos municípios e às contas públicas, uma vez que as entregas em lugares remotos custam caro e não interessam à iniciativa privada. “Há uma estrutura funcionando bem, por que desmontar isso? Nosso país é muito grande. Não há outro serviço de correio com extensão próxima ao nosso que tenha sido privatizado. Regiões remotas não fazem sentido para a iniciativa privada, que busca o lucro. Caso a privatização ocorra, o governo vai precisar pagar uma remuneração bilionária para que as empresas privadas atendam a esses locais”, defende.

Ele lembra que, em Portugal, o serviço de correios foi privatizado em 2014. O processo, destaca, foi um fracasso, pois resultou em queda na qualidade dos serviços e aumento de preços. “Portugal, no entanto, é menor do que o Brasil e tem logística mais simples. Somos um país gigantesco e temos uma logística complexa, com diferenças regionais imensas. Há situações em que a encomenda viaja de avião, caminhão, motocicleta, bicicleta, para chegar ao destino. Isso custa caro e tem toda a característica de atividade de Estado”, pontua.

Concorrência – De acordo com o ministro das Comunicações, a concessão dos Correios à iniciativa privada poderia levantar cerca de R$ 15 bilhões. Mas há dúvidas sobre esse valor, uma vez que o cálculo não foi explicado. Para o vice-presidente da Associação dos Profissionais dos Correios (Adcap), Marcos César Alves Silva, a estimativa do ministro está equivocada. “Uma coisa é certa: uma empresa que fatura quase R$ 20 bilhões por ano e que serve como principal infraestrutura para todo o comércio eletrônico brasileiro, incluindo um player que isoladamente foi avaliado recentemente em US$ 60 bilhões, não pode jamais valer apenas R$ 15 bilhões, como informou o ministro das Comunicações. Ele fez um comentário infeliz, foi mal-informado”.

Questionada, a pasta emitiu nota afirmando que o valor foi embasado em estudos que chegaram ao conhecimento de Faria. “Ao fazer a projeção do valor citado, o ministro referiu-se aos estudos de mercado dos quais tem conhecimento, valendo-se do recente histórico orçamentário da empresa, com demonstrações de melhora do Ebitda (Lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) e alto potencial deste resultado para o próximo ano”, diz a nota.

Em uma entrevista recente ao portal UOL, o ministro das Comunicações afirmou, ainda, que grandes empresas de varejo e de entregas, como Magazine Luiza, FedEx e DHL, estariam interessadas no processo de privatização dos Correios. Porém, acrescentou, posteriormente, que nenhuma das empresas citadas se manifestou oficialmente e que ele teria apenas deduzido um possível interesse dessas companhias.

Procurada, a FedEx afirmou em nota que “monitora continuamente o mercado por oportunidades para expandir os negócios no Brasil e em outras regiões, mas, por política da empresa, não comenta especulações referentes à nossa estratégia de negócio”. A DHL, por sua vez, afirmou o mesmo e acrescentou que, no momento, não tem planos para “atingir o crescimento do postal por meio de privatizações e de outros serviços postais estrangeiros”.

Melhorias – Para Joelson Sampaio, coordenador do curso de economia da FGV EESP, a privatização seria positiva tanto para o Estado quanto para os consumidores. “Na minha opinião, a privatização dos Correios vale a pena. Isso porque não vejo motivos que justifiquem um serviço como esse ser estatal. Trazer concorrência seria benéfico para todo mundo. Porém, é preciso conduzir o processo de maneira inteligente, pois é algo fundamental para o sucesso. É preciso olhar empresas interessadas, passivo dos Correios e várias outras questões”, explicou.

Ele afirmou, ainda, que a medida traria mais concorrência ao setor e isso poderia resultar em serviços melhores e preços menores. “(O serviço) Melhoraria porque você tem mais oferta de serviços e a empresa, que hoje é estatal, não ficaria acomodada. Ela buscaria ofertar melhores serviços. Competitividade é a chave. Já em relação aos preços, a tendência é de diminuição”, completou.

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