Que fique bem claro: o brasileiro não é contra as castas oligárquicas que desejam furar a fila da vacina contra a Covid-19. É apenas contra ser passado para trás.
Numa evidência de que os brasileiros são iguais apenas perante a dívida pública, o ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal, saiu em defesa do pedido de “reserva de doses” de vacina que a Corte enviou à Fiocruz. Coisa suficiente para imunizar 7 mil pessoas, entre togas e servidores.
Numa entrevista à TV Justiça, Fux declarou: “Nós também temos que nos
preocupar para não pararmos as instituições fundamentais do Estado, nem o Executivo, nem o Legislativo, nem o Judiciário, normalmente, digamos assim, integrados por homens e mulheres que já têm uma certa maturidade“.
O ministro prosseguiu: “Nós pedimos de toda forma educada, ética, um pedido dentro das possibilidades, quando todas as prioridades forem cumpridas, de que também os tribunais superiores tenham meios para trabalhar. E para isso precisa vacinar. Não adianta vacinar os ministros e não vacinar os servidores. A difusão da doença seria exatamente a mesma.”
Alguém já disse que a morte é o clube mais aberto do mundo. O diabo é que
ninguém quer entrar. Em meio a uma pandemia que está prestes a colecionar 200 mil cadáveres no Brasil, a forma mais prática de fugir da morte é a vacina. Na corrida pelo imunizante, as regras são sempre menos perigosas do que a imaginação deautoridades que tratam o absurdo como uma outra qualificação para “ética”.
Noutro trecho da entrevista, Fux disse ter preocupação com a saúde dos servidores do Supremo. Beleza. Roçou o bom senso quando afirmou o seguinte: “Nós devemos ter servidores com comorbidades, com idade. Eles vão entrar na fila normalmente. E nós vamos esperar nossa vez. Enquanto não chega a cura, nós vamos trabalhar em prol das pessoas que sofrem, que têm esperança de viver.”
Ora, se os servidores “com comorbidades” e os que têm “idade” entrarão
normalmente “na fila” por que pedir “reserva de doses”? Se “nós vamos esperar a nossa vez”, o mais lógico seria que Fux simplesmente fizesse uma autocrítica, elogiando o comportamento da Fiocruz, que informou que não destinará vacinas senão para o Plano Nacional de Imunização.
Quem comete um erro e não admite comete dois erros. Luiz Fux ainda não se deu conta. Mas, na administração pública, todo o mal começa com as explicações.
Foi a partir de cobranças feitas pelo Supremo que o Ministério da Saúde teve de explicar por que demorou tanto para divulgar um plano de vacinação. Agora que as regras estão na vitrine, burlá-las em favor de seres supremos seria como reconhecer que o Brasil do jeitinho virou um país que não tem jeito.
Josias de Souza – colunista Uol – foto: Igor Estrela