Judiciario
Entenda código de conduta para ministros de tribunais superiores proposto por Fachin
Recentes acontecimentos envolvendo integrantes do STF (Supremo Tribunal Federal) resultaram em críticas no meio político e na sociedade civil, reacendendo o debate sobre a criação de um código de conduta para a Corte. Desde que assumiu a presidência do Supremo, o ministro Edson Fachin trabalha na elaboração de um regimento para juízes de todos os tribunais superiores.
O caso que mais efervesceu a opinião pública envolveu o ministro Dias Toffoli. Dias antes de colocar “sigilo absoluto” nos autos de investigação de um esquema de fraude financeira envolvendo o Banco Master e o Banco de Brasília (BRB), o magistrado viajou à capital do Peru, Lima, para assistir à final da Libertadores em um jato privado acompanhado de Augusto de Arruda Botelho — ex-secretário de Justiça do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e advogado de Luiz Antonio Bull, um dos diretores do Banco Master preso na Operação Compliance Zero. O episódio foi revelado pela coluna do jornalista Lauro Jardim, do jornal O Globo.
Parlamentares de centro e de direita se manifestaram em defesa da criação de um código de conduta no STF. Ao colunista da Jovem Pan Bruno Pinheiro, o vice-líder da oposição na Câmara dos Deputados, Capitão Alden (PL-BA), disse que a Supremo carece de regras éticas claras sobre a atuação de seus ministros.
“Hoje, a Corte exerce poder máximo, mas sem regras éticas claras, públicas e vinculantes para prevenir conflitos de interesse, disciplinar participações em eventos privados e garantir transparência sobre vantagens e remunerações acessórias. Isso não é compatível com uma democracia madura”, afirmou.
A deputada federal Gisela Simona (União-MT) defendeu que, para além do código, é “necessária” uma CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Investigação) para apurar “o fato envolvendo o Banco Master e a conduta dos ministros”. Disse que eles “não podem estar acima da lei”.
Em movimento similar, a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) apoiou a iniciativa de Fachin para criação do regimento de conduta. Por meio de nota, a entidade e sua Comissão de Estudos para a Reforma do Judiciário destacaram que a medida pode fortalecer a ética e segurança institucional no sistema de Justiça. Também informaram que estão preparando uma contribuição própria sobre regras de conduta de um conjunto mais amplo de propostas voltadas ao aprimoramento da Justiça Brasileira.
A Fundação Fernando Henrique Cardoso apresentou, em outubro deste ano, um documento “com propostas para aprimoramento do Supremo Tribunal Federal” a partir de conversas com juristas e cientistas sociais. Nomeado de “A Responsabilidade pela Última Palavra”, o texto sugere a adoção de um código de conduta no Supremo como forma de “fortalecimento da [sua] reputação pública”. A publicação recomenda que um eventual regimento apresente:
Cláusulas gerais sobre as obrigações dos ministros e ministras para preservarem a “percepção social de imparcialidade, integridade, honestidade e reputação do tribunal”;
Normas para assegurar a imparcialidade de integrantes do Supremo no “exercício da fundação judicial”;
Regras sobre manifestações públicas e participação em eventos públicos ou privados, “que possam prejudicar a reputação do Tribunal”;
Diretrizes que proíbam ex-ministros de atuarem junto ao Supremo após deixarem a Corte;
Regimento amplo para regular a obrigação de ministros declararem remuneração ou benefícios após participarem de “atividades externas” ao STF.
Em entrevista à Jovem Pan, Telma Rocha Lisowski, professora de direito constitucional do Mackenzie Alphaville, disse que, em sua avaliação, o código de conduta idealizado por Fachin “não se trata de uma necessidade absoluta” por “já existir um conjunto robusto de normas gerais aplicáveis à magistratura que também alcançam os ministros do STF”.
Segundo a especialista, o Código de Processo Civil estipula regras que asseguram a imparcialidade de julgadores. Lisowski também afirmou que a Lei Orgânica da Magistratura, a Loman, serve de orientação aos ministros do STF por “vedar ‘qualquer procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro’ das funções e impõe o dever de manter a conduta irrepreensível na vida pública e privada”. Outro regimento citado pela professora é o Código de Ética da Magistratura Nacional. “Esse [estatuto] contempla princípios como independência, imparcialidade, integridade, cortesia e transparência, além de regras sobre postura em manifestações públicas, relacionamento com as partes e prevenção de situações que possam gerar dúvida sobre a isenção do magistrado”, explicou.
Apesar de Lisowski avaliar que “essas regras, em tese, deveriam ser suficientes para orientar a conduta”, a especialista afirmou que “a adoção de um código específico não traria prejuízo e poderia reforçar a percepção pública de transparência e integridade”. “Dado o peso institucional do STF e o impacto de suas decisões na vida social e política do país, um código próprio pode cumprir um papel simbólico e pedagógico importante”, disse.
Já Rubens Beçak, professor de direito da USP (Universidade de São Paulo), defendeu a adoção do código de conduta. Em entrevista à Jovem Pan, o especialista disse que “está ficando claro que a sociedade civil anseia por isso”. Para o docente, o povo “entende que o agente público tem que se pautar por determinados preceitos que escorem a sua produção na área” que está inserido. Beçak ainda afirmou que a Corte tem um destaque diferenciado por “eventualmente” resolver “conflito entre os Poderes”, além de ser importante para a proteção do Estado democrático de direito.
O professor justifica o seu posicionamento baseado em mais duas questões: a advocacia possui um código de ética há décadas e Tribunais de outros países adotaram um conjunto de regras de conduta. “A Suprema Corte dos Estados Unidos [implementou] um [regimento] há dois anos, quando apareceram algumas dúvidas sobre o tipo de presente que [os juízes] poderiam receber”, disse. Outra questão que Beçak defendeu é a construção de um código sem “detalhamento excessivo”. “Não é conveniente porque ele limita demais”, justificou.
MOVIMENTAÇÃO NO STF – Antes mesmo de tomar posse na presidência do Supremo, Fachin defendia a criação de um código de conduta para ministros de tribunais superiores. Ele passou a trabalhar na elaboração ao assumir a chefia do STF.
A expectativa é que o texto a ser apresentado por Fachin tenha como base o código do Tribunal Federal Constitucional da Alemanha. Segundo Lisowski, o presidente da Corte tem uma formação com “forte influência da doutrina e jurisprudência alemãs”, o que “favorece a aproximação ao modelo”.
Lisowski ponderou que isso “não significa que ele será adotado de maneira exclusiva ou automática”. Da mesma forma, Beçak disse que “o código alemão coloca balizas boas e pode ser um bom modelo”, mas “o Brasil tem suas peculiaridades” que precisam ser consideradas ao formular o regimento.
O código de conduta do tribunal alemão possui um total de 16 normas. Dentre as regras presentes, o regimento determina que seus magistrados não deixem que a sua vida pública e privada comprometam a reputação da Corte. Também devem agir com imparcialidade e independente de interesses políticos e críticas a decisões devem ser manifestadas reservadamente. É proibido divulgação de informações internas, inclusive após o fim do mandato.
O documento estabelece que presentes e benefícios só podem ser recebidos quando não comprometerem a integridade do ministro.
Além disso, o dispositivo define que participação em palestras e conferências não podem interferir em sua função jurisdicional, tem de ser compatível com a dignidade do posto no Tribunal e, quando ocorrer remuneração, é obrigatório a declaração de forma transparente.
Não há definido uma data para finalizar a elaboração da proposta. No momento, o ministro dialoga com integrantes do STF e de outros tribunais. De acordo com informações da Folha de S. Paulo, o código também enfrenta resistências na Corte devido ao momento em que está sendo discutido publicamente a sua formulação.
Está em tramitação no Senado um projeto que atualiza a Lei do Impeachment. Somado a isso, segundo ministro escutado pelo jornal, o debate de implementação de um código de conduta pode dar argumentos ao Congresso Nacional contra o STF em um momento em que a relação entre os Poderes está estremecida. No início de dezembro, o decano do Supremo, Gilmar Mendes, alterou dispositivos da Lei do Impeachment que tratam do afastamento de ministros. Após pressão do Congresso, ele decidiu suspender parcialmente a liminar.
Para Beçak, a resistência inicial ao regimento de conduta é natural. O professor afirmou que “tudo que não tem regra e é colocado [normas], gera um descontentamento”. Ainda relembrou que o mesmo se deu durante a implementação da Comissão de Ética e Decoro Parlamentar no Senado, em 1993, e na Câmara dos Deputados, em 2001.
Lisowski explicou que a “adoção de um código de conduta exige uma articulação e alinhamento interno”. Disse também que “não parece haver, no momento, maturidade suficiente para esse consenso”. “O Tribunal tem sido alvo de muitos ataques públicos, e a iniciativa isolada de um ou alguns ministros poderia ser interpretada pelos demais como uma forma indireta de dar respaldo a essas críticas”, afirmou.
Sobre a implementação de um eventual código de conduta no STF, a professora explicou que, “pelo regimento interno, atos normativos dessa natureza precisam ser aprovados pelo Plenário”. “Sua aprovação exige maioria absoluta dos ministros, ou seja, pelo menos seis votos favoráveis, esse rito reforça o caráter institucional da medida e assegura que qualquer norma interna dessa relevância tenha respaldo do colegiado”, disse.
Segundo Beçak, Fachin deve apresentar aos ministros um texto “um pouco genérico” para receber sugestões. Na avaliação do professor, só após esse processo que a proposta vai para votação no Plenário.
Jovem Pan – Foto: Rosinei Coutinho/STF