Pedro Serrano é alguém que jamais poderia ser descrito como um simpatizante do bolsonarismo.
Jurista respeitado, professor de Direito Constitucional da PUC-SP e doutor em Direito de Estado, ele se notabilizou como uma das vozes mais influentes da esquerda no meio jurídico nacional.
Ontem, assinou um artigo intitulado “Manter Anderson Torres preso é antecipar eventual punição”. O texto, publicado na versão online da Folha em colaboração com o advogado Fernando Hideo Lacerda, vem tendo grande repercussão entre advogados, e também nos tribunais.
Nele, Serrano diz que a manutenção da prisão do ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal e ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro é um “ato de barbárie incompatível com o direito penal constitucional” por deturpar os fundamentos da prisão preventiva e antecipar a punição do acusado. Torres é suspeito de ter sido conivente com os ataques de 8 de janeiro.
Em seu artigo, o jurista diz também que a decisão de manter o ex-secretário na cadeia viola o direito fundamental ao silêncio e a garantia da não auto-incriminação —esta última consagrada a partir do caso americano Miranda versus Arizona (e que produziu uma das frases mais ouvidas nos filmes policiais: “Você tem o direito de ficar calado: tudo o que disser poderá ser usado contra você no tribunal”).
O que Serrano, por fineza, não disse é que a decisão em questão foi tomada por Alexandre de Moraes, o ministro do Supremo Tribunal Federal cujas ações há muito vêm causando um surdo constrangimento, inclusive, entre seus pares.
Escudado pela auto-atribuída missão de preservar a qualquer custo a democracia ameaçada, Moraes foi aplaudido quando afastou do cargo o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, sem que esse pedido tenha sido feito por nenhum órgão de investigação.
Da mesma forma, muita gente achou bonito quando o ministro — contrariando a orientação do Ministério Público— decidiu manter encarcerados preventivamente investigados pelos ataques de 8 de janeiro; quando determinou a suspensão de perfis de redes sociais por ameaças a ministros do STF; e quando autorizou operação de busca e apreensão na casa de empresários que tinham tido conversas (privadas) de teor golpista no WhatsApp.
À parte a grita bolsonarista e outras vozes pouco audíveis, ninguém se atreveu a contestar o ministro nessas ocasiões. Moraes testa limites, não encontra obstáculos e segue em frente.
Na semana passada, ele indeferiu o pedido de soltura de Anderson Torres alegando que o ex-secretário havia demorado quase cem dias para entregar à polícia as senhas para acessar seu celular e emails — argumento que, para Serrano e muita gente que preferiu não dizer isso em voz alta, invoca a prática da tortura. Nesse caso, executada por um juiz que impõe ao investigado o sofrimento da prisão porque ele se recusa a produzir provas contra si mesmo.
Colocar-se em defesa dos direitos de alguém como Anderson Torres, como fizeram Pedro Serrano e Fernando Hideo Lacerda, é tarefa que exige coragem. Mas não fazê-lo corresponde a por em prática a doutrina do Direito Penal do Inimigo, do alemão Gunther Jakobs, segundo a qual as garantias e direitos fundamentais não devem se estender àqueles que o Estado considera inimigos.
O argumento de que a emergencial ameaça ao estado democrático de direito justificaria a extrapolação de limites legais ignora o fato histórico de que é justamente nos momentos de crise que os precedentes mais perigosos são criados.
E se as crises passam, os precedentes ficam.
O Brasil já teve más experiências com salvadores da pátria. Não precisa de justiceiros.