A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou ontem ao STF uma manifestação na qual ela defendeu que, após a condenação de prisão por um tribunal de segunda instância, a pena já possa ser cumprida. O Supremo Tribunal Federal tomou essa decisão em fevereiro do ano passado, mas ela pode voltar a ser debatida na corte.
Há fortes tensões e divisões no Supremo em relação a essa decisão. A procuradora-geral da República está metendo a colher num debate que ela sabe que será feito em algum momento e defendendo uma posição cara ao Ministério Público, que considera que o cumprimento da pena a partir da decisão de prisão em segunda instância é uma forma de tornar mais efetivo o combate à corrupção.
No ano passado, a decisão do STF foi tomada pelo plenário, mas liminarmente. Ainda falta a conclusão do julgamento, que está nas mãos do ministro Marco Aurélio Mello. Na argumentação, Raquel Dodge diz que decisões monocráticas de ministros do Supremo têm contrariado entendimentos do plenário do STF.
Nesse ponto, ela está certa. Definida uma posição pelo plenário do STF, deve haver uma repercussão geral. Decisões monocráticas tomadas liminarmente por ministros do Supremo têm sido frequentes.
Normalmente, elas acontecem em casos que ainda precisarão ser analisados pelo plenário e que demandaram uma manifestação urgente. O excesso de decisões monocráticas tem sido um problema, porque estimula a ação individual no tribunal e não uma atuação em conjunto.
O colegiado do Supremo é formado por 11 ministros. Não é recomendável que eles atuem como 11 ilhas jurídicas e políticas. No caso abordado por Raquel Dodge, há um aspecto mais grave.
Ocorrem decisões monocráticas que desrespeitam julgamentos já realizados pelo STF. Nessas hipóteses, as decisões monocráticas são piores ainda, porque um ministro resolve desobedecer o colegiado. Obviamente, isso gera insegurança jurídica.
Decisões do Supremo não são imutáveis. A jurisprudência muda. Isso aconteceu no caso de prisão em segunda instância. As decisões também podem ser debatidas e criticadas, mas precisam ser cumpridas, especialmente por aqueles que compõem o tribunal e deveriam dar exemplo.
A presidente do STF, Cármen Lúcia, tem dito que não pretende colocar essa tema na pauta de votação. Ela quer segurar artificialmente uma tensão que só vem crescendo no tribunal. A chance de dar errado só tende a crescer. Esse adiamento vai estimular mais decisões monocráticas.
O ministro Marco Aurélio Mello, relator do processo, tem um bom argumento. A decisão de fevereiro de 2016 foi tomada por todo o plenário, mas era liminar. Seria preciso concluir o julgamento.
Outros ministros, como Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, também desejam reavaliar a questão. Há ministros que entendem que a prisão não pode ocorrer se o condenado apresentar recurso. Também consideram que a condenação precisaria ser confirmada pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça). Outros pensam diferente.
Em fevereiro de 2016, o Supremo decidiu por 7 a 4. No entanto, nos bastidores do STF, prevalece a avaliação de que um reexame poderia levar a uma mudança, com placar de 6 a 5.
Tentar tapar o sol com a peneira, como faz Cármen Lúcia, vai gerar ainda mais tensão. Melhor enfrentar a questão de modo aberto, como fez Raquel Dodge em sua manifestação.
O STF precisa diminuir a ação individual de seus ministros e agir mais como órgão colegiado. Mas a falta de liderança no tribunal e uma guerra entre duas alas têm causado dano ao país.
Blog do KENNEDY ALENCAR
