Política
Desembargador vota para absolver governador que o nomeou em conselho
No último dia 19 de abril, o governador Paulo Dantas (MDB) nomeou para o Conselho Penitenciário do Estado de Alagoas o desembargador eleitoral Milton Gonçalves Ferreira Netto. Três dias depois, quando o governador já havia assegurado pagamentos de R$ 12,5 mil brutos em jetons mensais, o ocupante de uma das vagas de jurista no Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas (TRE-AL) votou favorável à absolvição de Paulo Dantas em caso que visava anular sua reeleição e torná-lo inelegível. No julgamento que a Corte Eleitoral rejeitou por unanimidade a acusação “compra de apoio político” por meio dos repasses a redutos políticos de deputados estaduais, em 2022.
Na Ação de Investigação Judicial Eleitoral, a coligação adversária de Paulo Dantas, encabeçada pelo senador Rodrigo Cunha (Podemos-AL), acusava o governador de desrespeitar a legislação eleitoral, com conduta vedada e abuso de poder econômico, através da liberação de emendas parlamentares no ano eleitoral de 2022. Mas todos os desembargadores seguiram o voto do relator Alcides Gusmão, de que não houve ilegalidades nos repasses, por estes serem obrigatórios.
Quando Milton Gonçalves Ferreira Neto votou para absolver Paulo Dantas, já estava publicada sua nomeação, assinada três dias antes por Paulo Dantas. O Decreto nº 96.792 foi tornado público na edição do dia 22 de abril do Diário Oficial do Estado.
Milton Gonçalves Ferreira Netto participou da sessão realizada ontem. Na ocasião, tomou posse como conselheiro, agradeceu pela indicação da Associação das Famílias dos Anjos do Estado de Alagoas (Afaeal) e citou que é desembargador eleitoral.
Veja o decreto de sua nomeação, publicado no dia 22 de abril:
ONG para crianças e conselheiro
Um aspecto relevante é o fato de o desembargador eleitoral ter sido nomeado para representar, no Conselho Penitenciário Estadual, a organização não governamental (ONG) que atua no atendimento a interesses e direitos de “crianças com microcefalia e outras alterações neurológicas”. Enquanto o foco do conselho penitenciário é a realidade do sistema prisional de Alagoas, onde somente adultos podem ser encarcerados, obviamente.
Milton Gonçalves Ferreira Neto não foi crucial para a absolvição do governador na decisão unânime. Mas o dever de imparcialidade é imposto pela legislação brasileira a qualquer magistrado. E prevê, entre os casos de suspeição do julgador, quando houver razões subjetivas que possam comprometer a parcialidade do juiz.
Além disso, um desembargador deve declarar-se suspeito quando, por exemplo, “qualquer das partes for sua credora ou devedora”, conforme o Artigo 145, inciso III do Código de Processo Civil.
Para garantir o rendimento de R$ 12.574,72, cada um dos 14 integrantes do Conselho Penitenciário de Alagoas precisa participar de quatro sessões mensais, sendo três virtuais e uma presencial.
E o jeton líquido de R$ 10.168,00 é pago por um trabalho que envolve a elaboração de pareceres, principalmente, sobre indultos parciais para redução ou substituição de pena e liberdade condicional.
Advogado, Milton Gonçalves tomou posse como desembargador titular do TRE de Alagoas, em setembro do ano passado, para o cargo que paga R$ 9.532,24 brutos. Mas já havia atuado como substituto na Corte Eleitoral alagoana.
Voto pela absolvição
O conselheiro penitenciário recém nomeado pelo governador votou no TRE de Alagoas ressaltando que a conduta vedada alegada na ação contra o Paulo Dantas somente seria configurada, se houvesse transferência voluntária de recursos. E destacou não haver nos autos provas de repasse deste tipo espontâneo; mas, sim, uma transferência obrigatória e impositiva.
“As circunstâncias que permeiam o fato concreto não desvalam um ato abusivo. Porque nós temos o cuidado do governo do Estado em consultar a Procuradoria-Geral do Estado, para saber da legalidade ou não da conduta. […] Parlamentares de oposição também foram beneficiados com as emendas, porque são impositivas, não são discricionárias”, argumentou o desembargador Milton Gonçalves, em seu voto.
Assista:
Outro lado – A reportagem enviou questionamentos ao desembargador, ainda ontem (30), por meio da assessoria de imprensa do TRE de Alagoas. no início da tarde de hoje (30), o magistrado não iria se pronunciar sobre o caso. Mas mantém o espaço aberto para Milton Gonçalves Ferreira Netto comentar o caso e responder aos seguintes questionamentos que lhe foram encaminhados:
Vossa Excelência deveria ter se declarado impedido ou suspeito para julgar o caso, já que foi nomeado para uma função que envolve o pagamento de jeton?
Como justifica ter atuado no julgamento, quando, desde o dia 19 de abril já havia sido nomeado para a função remunerada? Não seria uma conduta vedada pela legislação?
A associação que o senhor representa no Conselho Penitenciário exerce atuação efetiva no sistema prisional de Alagoas? Qual tipo de atuação seria esta?
Como o governador de Alagoas justifica a nomeação do desembargador eleitoral para representar a Associação das Famílias dos Anjos do Estado de Alagoas, que tem como foco o atendimento a interesses e direitos de crianças com microcefalia e outras alterações neurológicas?
A reportagem ainda quis saber da Afaeal qual tipo de atuação é exercida por esta entidade no sistema prisional de Alagoas, já que seu foco é atender e promover direitos e “crianças com microcefalia e outras alterações neurológicas”, como consta em seu perfil do Instagram. Não houve respostas, mas o espaço também segue aberto à associação.
Fonte: Diário do Poder