Mais uma vez cairá sobre o colo do Supremo Tribunal Federal (STF) decidir um importante tema da competência do Congresso Nacional: a revisão do foro por prerrogativa de função, o chamado foro privilegiado, que atualmente beneficia não apenas agentes políticos, mas aproximadamente 55 mil autoridades no Brasil (veja quadro), como agentes políticos, ministros de estado e de tribunais superiores, juízes, membros do Ministério Público, governadores, entre outros.
O ministro Dias Toffoli, que em novembro do ano passado interrompera o julgamento com um pedido de vistas, manifestando a disposição de esperar a votação e promulgação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 10/13 que já havia sido aprovada no Senado Federal, prometeu liberar o processo para o plenário da Corte nas próximas semanas. A partir daí, caberá à presidente do STF, Cármen Lúcia, definir a data para a conclusão do julgamento. Será um novo caso em que a prerrogativa constitucional do Legislativo, antes pela inércia, mas agora pela circunstância da intervenção federal no Rio de Janeiro, passará ao Poder Judiciário.
A PEC 10/13 que restringe o foro privilegiado, aprovada em 30 de maio no Senado Federal, tramita na Câmara dos Deputados sob o número 333/17. Com a intervenção federal no Rio de Janeiro, a matéria saiu da pauta: a Constituição Federal não pode – e não deve – ser emendada, de acordo com o dispositivo destinado a impedir vieses autoritários em eventuais mudanças na Carta.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) já afirmou que “com certeza” não votará as PECs enquanto perdurar a intervenção. Respeita, portanto, o “espírito” dos constituintes, que calejados após uma ditadura iniciada com o golpe de 64 que se estendeu por 20 anos, trataram de inserir na Constituição de 1988 o artigo 60, segundo o qual ela não pode sofrer modificação enquanto estiver em vigor intervenção federal, estado de defesa ou de estado de sítio. Entretanto, ainda está aberta na Câmara dos Deputados a discussão se as 35 comissões especiais já instaladas para analisar as PECs e as outras 22 que aguardam a indicação de partidos para a instalação, entre as quais a do foro privilegiado, vão continuar a tramitar.
Embora todas as Constituições Federais no Brasil tenham previsto a prerrogativa para algumas autoridades, a de 1988 foi aquela que garantiu maior distribuição: 38.431 funções, segundo estudo realizado pela Consultoria Legislativa do Senado Federal. Está previsto ainda, nas constituições estaduais, foro para outras 16.559 funções, o que, estima-se, resulte ao todo em mais de 50 mil postos de carreira, eletivos ou por nomeação com direito a esse instituto.
CORRIDA DE PODERES ACELEROU DEBATES
A discussão sobre mudanças em relação ao foro privilegiado se arrastava há quase cinco anos no Congresso, mas, no ano passado, em meio a mais uma queda de braço entre Legislativo e Judiciário, uma espécie de “corrida” entre poderes impulsionou o debate. O Senado e depois a Câmara se apressaram a retomar a discussão sobre a restrição da prerrogativa do foro, depois que entrou em pauta no Supremo um julgamento que levaria a corte a se pronunciar sobre o tema que é da prerrogativa constitucional do Legislativo.
Ao perceber que o julgamento do caso do prefeito de Cabo Frio (RJ), Marquinho Mendes, daria ao Supremo o protagonismo de decidir mais um tema da competência do Legislativo, o Congresso se mobilizou para aprovar a matéria em 2017. O Senado Federal também percebeu na iniciativa uma oportunidade para a agenda positiva – em boa medida reivindicada pela sociedade mais atenta à política – retirando o Legislativo das páginas abertas por sucessivas delações e operações da Polícia Federal. Chegou a abrir consulta pública para a matéria, que, à época, obteve 56.511 votos favoráveis à restrição do foro privilegiado e 187 contrários.
A tramitação da matéria no Congresso – que trata do foro para todas as autoridades – procurou se antecipar ao julgamento do STF. No Judiciário, ganha a tese da restrição de foro apenas para agentes políticos e não às demais autoridades que hoje têm direito, pois não são objeto da ação em julgamento. Atualmente, tramitam no STF, pouco mais de cinco centenas entre ações penais e inquéritos envolvendo réus com prerrogativa de foro, metade dos quais, parlamentares.
O caso em questão é o do julgamento do atual prefeito de Cabo Frio, Marquinho Mendes – acusado de compra de votos na eleição municipal de 2008, quando foi reeleito. Ao concorrer a deputado federal, contudo, no pleito de 2014, Mendes ficou na primeira suplência, conquistando a cadeira após a cassação do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB-RJ). Nas eleições municipais de 2016, o então deputado candidatou-se novamente à prefeitura da cidade litorânea fluminense, renunciando ao mandato parlamentar após a diplomação como prefeito.
