Dia Internacional da Mulher
Como o feminismo vem mudando a cara do entretenimento
A palavra feminismo foi, durante muito tempo, tratada como um palavrão na indústria do entretenimento. Não mais: a luta pelos direitos das mulheres foi abraçada pelo cinema, pela TV e pela música, e as experiências e vivências delas estão sendo cada vez mais representadas —e reconhecidas, o que é igualmente importante.
Ainda há muito o que mudar, mas não dá para negar que este 8 de março, Dia Internacional da Mulher, tem um gosto especial que vem na esteira de acontecimentos muito significativos: Billie Eilisih se tornou a primeira mulher a ser premiada nas quatro categorias principais doGrammy, mulheres serão diretoras de cinco dos grandes blockbusters do ano, e o magnata Harvey Weinstein, acusado de assédio e estupro por diversas mulheres do cinema, foi condenado pela Justiça americana.
Abaixo, listamos como o feminismo vem impactando o entretenimento nos últimos anos e provocando uma série de mudanças que, esperamos, vieram para ficar.
Movimentos contra assédio e abuso – Acompanhando o que já acontecia na sociedade, as mulheres de Hollywood resolveram quebrar um silêncio que perdurou por décadas, denunciando os abusos cometidos por homens poderosos da indústria, no movimento #MeToo (“eu também”). O caso mais emblemático é o de Harvey Weinstein, produtor denunciado por mais de cem mulheres como Rose McGowan e Ashley Judd. A Justiça de Nova York, recentemente, o considerou culpado das acusações de estupro e agressão sexual.
No Brasil, esse movimento veio, de forma tímida, após denúncia da estilista Su Tonani contra o ator José Mayer, em 2017, e deu origem a uma cartilha antiassédio, apoiada por produtoras como a O2, do cineasta Fernando Meirelles, e a Conspiração.
Recentemente, as francesas também mostraram seu desagrado contra o César, o Oscar francês. Várias atrizes deixaram a premiação após Roman Polanski, condenado nos EUA pelo estupro de uma garota de 13 anos, ganhar o troféu de melhor diretor.
A l'annonce du César de la Meilleure Réalisation pour Roman Polanski ("J'accuse"), Adèle Haenel quitte la salle.
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— CANAL+ (@canalplus) February 28, 2020
Famosos ‘cancelados’ – Na sequência do #MeToo, vários nomes famosos foram “cancelados”. Além de Weinstein, caído em desgraça, e Polanski, também foram denunciados homens como o cantor e compositor Ryan Adams, ex-marido da atriz e cantora Mandy Moore, o ator Ed Westwick, acusado de estupro por várias mulheres, e o apresentador Matt Lauer, também acusado de assédio sexual e estupro.
O cineasta Woody Allen viu o retorno das acusações de que teria abusado de sua filha, Dylan Farrow, que o denunciou mais uma vez —ele nega. Nesta semana, o diretor e roteirista teve a publicação de sua autobiografia cancelada pela editora Hachette, após outro de seus filhos, Ronan Farrow, ameaçar cortar relações com a editora em meio a uma intensa reação do público e das funcionárias da empresa, que fizeram greve.
Mais mulheres por trás das câmeras – O número de mulheres diretoras vem crescendo significativamente. Em 2019, elas foram responsáveis por 10,6% dos cem filmes de maior bilheteria, de acordo com uma pesquisa conduzida pela University of Southern California e divulgada ontem. O número ainda é baixo, mas corresponde ao melhor resultado nos últimos 13 anos —e representa um salto em relação a 2018, quando a porcentagem ficou em 4,5%. A participação delas também vem aumentando, ainda que timidamente, em outras áreas, como roteiro, produção e fotografia.
Atrizes também vêm produzindo seus próprios trabalhos, tendo mais controle sobre o produto final, seus papéis e a equipe por trás das câmeras. É o caso, por exemplo de Jennifer Aniston e Reese Whiterspoon, que produzem e estrelam a série “The Morning Show” para o Apple TV+, ou de Margot Robbie, que insistiu para levar aos cinemas “Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa”.
Reese Whiterspoon e Jennifer Aniston em cena da série “The Morning Show”
Em profissões mais técnicas da indústria cinematográfica, como a de cinegrafista, as mulheres ainda são minoria, mas também vêm encontrando espaço. Na Globo, por exemplo, Cris Lecciolli passou 15 anos sendo a única cinegrafista. Hoje, ela e outras três mulherescompõem o time de cinegrafistas de “Salve-se Quem Puder”, a novela da 19h da emissora.
E à frente também – Nas telas do cinema e da TV, a presença de personagens femininas também tem aumentado. Em 2019, 40 dos 100 filmes que mais arrecadaram nas bilheterias foram protagonizadas por mulheres, e 45% das séries trouxeram personagens femininas em papéis relevantes —dois recordes históricos. Da distopia à comédia, séries como “Big Little Lies”, “The Handmaid’s Tale”, “Fleabag”, “The Marvelous Mrs. Maisel” e a brasileira “Segunda Chamada” são bons exemplos, mas não só.
As mulheres também tomaram a frente em gêneros que são tidos como masculinos, como o dos filmes de super-heróis. “Mulher-Maravilha”, em 2017, arrecadou mais de US$ 800 milhões nas bilheterias e abriu as portas para outros filmes com super-heroínas, como “Capitã Marvel”, que fez mais de US$ 1 bilhão. Em abril, estreia o filme solo da Viúva Negra, a heroína interpretada por Scarlett Johansson no Universo Cinematográfico da Marvel.
Nem as princesas da Disney são mais as mesmas. Com “Frozen” (2011), a Disney subverteu seus próprios padrões ao contar a história de uma princesa que não precisa de príncipe e cujo principal relacionamento na história é com sua irmã, Anna. Fez um sucesso estrondoso e ganhou, ano passado, uma continuação que arrecadou até mais do que o original.
Cuidado nas cenas íntimas – O ambiente estabelecido para a filmagem de cenas que envolvem nudez ou simulação de atos sexuais também passou a ser questionado. Muitas atrizes denunciam que teriam sido pressionadas a gravar, mesmo não se sentindo completamente confortáveis com a situação.
Com isso, foi criada a profissão de coordenador de intimidade,cuja função principal é fazer com que os atores se sintam seguros durante as cenas íntimas, inclusive fazendo a ponte entre eles e a direção da série. A primeira grande produção a adotar este tipo de serviço foi “The Deuce”, da HBO —e a emissora em seguida levou a prática para suas outras produções.
Festivais de música com mais mulheres – Em 2018, vários festivais de música ao redor do mundo se comprometeram a ter, até 2022, um line-up que fosse igualmente dividido entre os gêneros. No ano passado, o festival espanhol Primavera Sound se tornou o principal deles a atingir a meta, levando para o palco artistas como Erikah Badu, Janelle Monae, Rosalía e Cardi B. O inglês Glastonbury também chegou perto no ano passado, com um line-up que era 42% feminino.
Pop empoderado – Na música brasileira, as mulheres conquistaram um destaque sem precedentes, acompanhado de letras que reforçam seus desejos, sua autoestima e sua independência. Cantoras como Marília Mendonça, Maraia e Maraisa e Simone e Simaria chegaram com tudo no sertanejo, cantando sobre amores, bebedeiras e festas. Anitta se tornou uma empresária poderosa e viu sua carreira alçar voos internacionais também cantando abertamente sobre seus desejos. E elas seguem bem acompanhadas por nomes como Luísa Sonza, MC Rebecca, Ludmilla, Lexa e Pocah.
Protestos por salários – Equiparação salarial também é uma questão para as famosas. Patricia Arquette foi aplaudida de pé ao receber seu Oscar, em 2015, e advogar por salários iguais para homens e mulheres; Ellen Pompeo, a Meredith Grey de “Grey’s Anatomy”, revelou que a produção da série nunca aceitou pagar mais a ela, protagonista, do que a Patrick Dempsey, que interpretava seu par romântico na série; Lauren Cohan, de “The Walking Dead”, deixou a produção em meio a negociações para receber um salário igual ao dos colegas Norman Reedus e Andrew Lincoln. Exemplos não faltam —e as atrizes falarem sobre isso ajuda a conscientizar inclusive mulheres que trabalham em outras indústrias.
Reconhecimento em premiações – Os grandes prêmios do cinema e da música vêm tentando, aos trancos e barrancos, se tornar mais diversos, com resultados irregulares. O Grammy, neste ano, atingiu uma marca importante quando Billie Eilish se tornou a primeira mulher a ganhar os quatro troféus principais da premiação: gravação do ano, canção do ano, álbum do ano e artista revelação.
O Oscar, no entanto, foi mais uma vez criticado por deixar de fora várias diretoras mulheres em sua edição 2020, incluindo Greta Gerwig, elogiada por seu trabalho em “Adoráveis Mulheres”. Natalie Portman, inclusive, foi à premiação usando uma capa que trazia os nomes de todas as diretoras esnobadas. E o Oscar tem um histórico nem um pouco invejável: como o UOL mostrou nesta reportagem, filmes protagonizados por homens dominaram os prêmios de melhor filme nos 92 anos da premiação, e as mulheres premiadas por seu trabalho na atuação tiveram papéis muito menos diversos do que suas contrapartes masculinas. (Uol)