Política Nacional
Aprovada na Câmara, coligação proporcional pode retomar ‘alianças esdrúxulas’ para o Legislativo
Antes do escândalo do mensalão, em 2004, o então chefe da Casa Civil do governo Luiz Inácio Lula da Silva, José Dirceu, fez uma série de reuniões com o dono do PTB, Roberto Jefferson. No Palácio do Planalto, traçaram uma estratégia conjunta para as eleições municipais. O PTB faria uma aliança inédita com o PT. A ideia era dar musculatura à legenda de Jefferson. Em troca, petistas seriam beneficiados por ter uma força auxiliar no Congresso.
O acordo terminou com críticas públicas entre filiados das duas legendas. Os resultados foram esdrúxulos. No Rio, os votos de Carlos Bolsonaro (à época no PTB) ajudaram a eleger vereadores de esquerda, como Eliomar Coelho (hoje no PSOL). Já o mais votado da aliança, o petista Edson Santos, angariou votos para eleger Cristiane Brasil, a filha de Jefferson.
O resultado só foi possível porque havia uma regra para a disputa: a possibilidade de coligação proporcional. Neste tipo de aliança, não é incomum que o eleitor escolha um nome alinhado a um campo de ideias e acabe contribuindo para a vitória de um postulante com crenças distintas.
Com a nova reforma política, esse tipo de cenário poderá se repetir. Aprovada na Câmara e em análise pelo Senado, a proposta retoma o expediente, abolido por alteração da legislação em 2017. Na ocasião, foi determinado um prazo: o fim das coligações só ocorreria a partir de 2020.
Até agora, a regra só vigorou na eleição do nao passado. Em 2022, seria a primeira vez que a alteração da norma impactaria a escolha de deputados federais e estaduais.
Em 2004, a aliança do PTB com o PT causou mal-estar nas duas siglas. Antes do pleito, Cristiane Brasil, por exemplo, deixou uma secretaria do então prefeito Cesar Maia (PFL) para pedir votos ao lado de petistas. Ela sequer conhecia o candidato do partido de esquerda, Jorge Bittar, que foi derrotado por Cesar, reeleito em primeiro turno.
“A aliança foi correta e o sofrimento fecundo. O presidente (Lula) disse para mim: ‘Jefferson, você é uma pedreira. É o tipo de homem a quem posso dar um cheque em branco e ir dormir tranquilo’” declarou Jefferson à época.
Logo depois do pleito, Carlos Bolsonaro abandonou o PTB. Hoje, o dono do partido é um dos mais entusiasmados apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. Preso por incitar violência contra agentes públicos, é alçado nas redes bolsonaristas a mártir da “liberdade de expressão”.
Em 2014, Aécio Neves (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) disputaram uma das eleições mais polarizadas desde a redemocratização. Por estreita margem de votos, a petista foi reeleita. À época, foi o quarto pleito seguido em que houve um segundo turno entre os dois partidos. Nada impediu, porém, que em 2016 PT e PSDB estivessem presentes, juntos, em mais de mil coligações pelo país.
Tucanos e petistas se uniram para buscar, em geral em municípios menores, votos para se elegerem a câmaras municipais. O cenário já era realidade em 2012 e frequentemente associado à disfuncionalidade do sistema político.
As distorções não ocorrem apenas em eleições locais. No início do ano, o suplente Aelton Freitas (PL-MG) assumiu a vaga da petista Margarida Salomão na Câmara dos Deputados. Eleita prefeita de Juiz de Fora (MG), ela se licenciou do mandato para comandar a administração municipal.
Opositora do governo Bolsonaro, Margarida teve que abrir vaga ao colega, cuja sigla é hoje parte da base e alinhada ao Palácio do Planalto.
O Globo