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A Guarda Nacional e os Coroneis – por Ramalho Leite

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O meu avô, José Rodrigues da Costa Neto, era tenente da Guarda Nacional. Nunca vi o titulo que lhe teria sido conferido, mas lembro da sua espada prateada presa a um suporte de madeira, próximo ao teto da casa grande do engenho Poço Escuro, do qual era o Senhor. Falava-se que herdara o título e espada do pai ou do avô. Pelas suas posses, tinha também direito a votar e no dia da eleição saía paramentado, a cavalo, e com a espada a tiracolo. É o que me contavam.

A Guarda Nacional, como frisei em artigo anterior, com a República, deixou de exercer funções paramilitares, mas seus integrantes não largaram as patentes e continuaram a exercer influência política nos municípios de suas áreas de atuação. Daí surgiram os coronéis sem farda e sem espada, mas como forte influência social e econômica. A força dos coronéis seria sentida até a chegada do Estado Novo, ultrapassando os ideais da Revolução de Trinta e, aos poucos, desaparecendo, graças à principal arma da democracia – o voto secreto.

Muito mais atrás, porém, a influência da Guarda Nacional era imprescindível à segurança do Estado. O primeiro presidente da Paraíba que resolveu conhecer o nosso interior, o gaucho Silva Nunes, nomeado por ser genro do Barão de Muritiba (o nepotismo vem de longe), fazia questão da presença da Guarda Nacional em todas as cidades por onde passou. O jornal “O Imparcial”, contratado pelo governo da província para publicação dos atos oficiais, acompanhou a viagem do Chefe do Governo, de mais de trinta dias, à cavalo, e relatou aos seus leitores os detalhes da aventura.

No Pilar, a banda de musica da Guarda tocou “o hino marcial e várias peças, ao som de estrondosas girândolas que subiam ao ar”. O presidente foi recebido pela “Câmara Municipal em grande gala na casa de suas sessões, decentemente preparada”. No Ingá, “foi sentida a ausência da Guarda Nacional, o que é bem censurável; porque toda a gente se empenha e procura ser incluído na proposta para os postos e nas ocasiões como a presente não aparecem”, reclama o jornal oficial de então. Houve uma exceção: o Comandante apresentou-se “a paisano”, conforme o cronista da viagem. Em São João, a Câmara Municipal da vila seguiu o exemplo de Cabaceiras, e “esqueceu-se dos seus deveres administrativos e de civilidade”, não comparecendo à recepção. O comandante da Guarda apresentou-se fardado, contudo, justificou a ausência da oficialidade por falta de fardamento.

A viagem do presidente Silva Nunes virou livro do historiador Wilson Seixas e começou por Santa Rita, ganhou o sertão, subiu as serras dos brejos de Areia e Bananeiras, voltando por Patos e Mamanguape. No retorno, foi recebido com muitas festas e um baile em sua homenagem. Em Patos, “a Guarda Municipal não deu sinal de vida, faltando a oficialidade ao cumprimento de seus deveres, e iludindo, portanto, a lei de sua criação”, reclama “O Imparcial”. Em 1860, Patos era “uma vila de acanhadas proporções e não possui edifício algum de importância”. O gaúcho que governava a Paraíba não arrefecia o ânimo e, mesmo com uma crise de asma, subiu a Serra do Teixeira e constatou que “a vila tem calçamento de pedra natural, por assim dizer; pois é uma lage só, sobre a qual foi situada a povoação”. A Guarda Nacional … “tem escrúpulos em apresentar-se; sendo que foram cumprimentar a S. Exa. três oficiais sem espadas”. Antes de subir até Teixeira, o Presidente Silva Nunes arranchou-se no Gerimum, hoje município de São José do Bonfim. Gerimum era uma pequena fazenda onde se destacava, apenas, a casa do vaqueiro. Foi alí que o governante teve acolhida. ”Teve S.Exa. por mesa duas malas coberta de couro, da bagagem, e por cadeira uma pequena mala inglesa de viagem” revela o periódico, citado por Wilson Seixas.

O jornal não perdoou aos integrantes da Guarda Nacional que fizeram desfeita ao Presidente da Província, deixando de comparecer à sua recepção em cada uma das cidades e vilas por onde passou. E não deixou de lavrar seu protesto contra aqueles que “só se lembram dos postos que exercem na guarda nacional, das honras que lhes são conferidas, quando é preciso perseguir a certos e determinados indivíduos, quando é necessário abusar do cargo para ajudar esta ou aquela parcialidade, para ser chamado de Sr.Tenente- coronel, Sr.Major, Sr, Capitão”. E pede ainda providência contra “indivíduos oficiais da guarda nacional que não estejam fardados, que gosem dos cômodos sem suportarem os incômodos..” (adotei nas transcrições a grafia da época)

Muitos coronéis chegaram aos nossos dias e conviveram com a redemocratização do país. Na Paraíba, o cel. José Antonio Maria da Cunha Lima Filho chegou a deputado federal no início da Republica. Seguidor de Argemiro de Figueiredo, exerceu influência política até a eleição de 1965 quando deixou seu antigo chefe, e aderiu à candidatura de João Agripino a governador. Sua adesão deu lugar a slogan de grande repercussão mas de poucos votos : “É o mundo todo e o Mundo Novo, também!”. “Mundo Novo” era o engenho do coronel.

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