Adotar hábitos mais “verdes” no nosso dia a dia de consumidor pode ser mais fácil do que se imagina, é que o mostra João Paulo Amaral, pesquisador do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). Formado em Gestão Ambiental, ele trabalhou por quatro anos em consultoria em Responsabilidade Social Empresarial, Mudanças Climáticas e Mobilidade, e conta que pequenas mudanças de comportamento como trocar o carro, alguns dias optar pela bicicleta, tirar os eletroeletrônicos da tomada, passar a ler os rótulos dos alimentos já nos deixam mais sustentáveis. E ser responsável econômico, social e ambientalmente inclui também a forma como tratamos nosso dinheiro e como lutamos pelo respeito aos nossos direitos como consumidor. Tudo isso ele responde em dez perguntas.
Em casa, quais são as atitudes que devemos adotar para reduzir o consumo de recursos naturais?
Existem diversas ações que podem contribuir para essa redução. A melhor forma de descobri-las é pensar em toda a sua rotina, desde que acorda até a hora de dormir. Pense no consumo de energia que está sendo gerado ao você acordar. Repare, por exemplo, nas luzes vermelhas dos aparelhos eletrônicos (modo stand-by) que representam 15% dos gastos com energia elétrica no domicílio. Se você apagá-las, pode economizar bastante energia. Veja o que você come, leia os rótulos, entenda de onde vêm aqueles produtos e faça escolhas mais sustentáveis, como orgânicos, produtos frescos e não processados. No seu transporte, pense no impacto e na necessidade que você tem ao usar o seu meio de locomoção e otimize ou reduza suas viagens (carona, bicicleta, transporte público em um dos trechos, etc). O lixo também é um fator importante. Mesmo que não tenha coleta seletiva acessível na sua casa, separe o lixo seco (embalagens recicláveis) do lixo úmido (orgânico) por uma semana e tente buscar uma cooperativa de reciclagem. Com o lixo úmido você pode fazer uma composteira, um processo de transformação, de forma muito simples, do lixo orgânico em adubo para plantas, por exemplo.
Ser um consumidor verde é simplesmente comprar menos?
Não. Ser um consumidor verde é também comprar melhor e exigir mais. Exigir mais das empresas, dos governantes e dos demais cidadãos. O maior empecilho para sermos consumidores sustentáveis é que, muitas vezes, nós não temos alternativas ou as que temos são pouco acessíveis. A questão dos orgânicos é um ótimo exemplo. Nós sabemos que são melhores, mas muita gente se assusta com o preço. Porém, uma das razões para isso é que, com base em pesquisa feita pelo Idec, os supermercados chegam a cobrar 463% a mais nos preços dos orgânicos em comparação com feiras especializadas nesses tipos de produto. Questione e cobre dos atores envolvidos! Só assim conseguiremos alcançar padrões de produção e consumo mais sustentáveis.
Como abordar o tema consumo sustentável com as crianças?
Para crianças, muitas vezes, consumo sustentável faz muito mais sentido e é possível explorar muitas ferramentas educativas, como a arte e o esporte, mas principalmente, as crianças colocam a mão na massa e fazem acontecer. Talvez algo que precisamos aprender, como adultos.
Como fazer compras de supermercados mais verdes? Usar sacolas retornáveis já é o suficiente?
Dá para ir muito além do que usar sacolas retornáveis. Supermercado é a nossa grande vitrine na decisão de escolhas sustentáveis. Entender sobre os produtos antes de chegar no mercado e ter claro o que é melhor para o consumidor é essencial. Não só na questão ambiental, mas também com relação à saúde. Tente ler um rótulo nutricional de um alimento processado, por exemplo, e verá que metade dos nomes dos ingredientes é indecifrável, quiçá impronunciável! Isso deve ser questionado e analisado, para realmente sabermos o que estamos comendo e de onde estes alimentos vêm.
Como avaliar se uma empresa é mais verde do que outra?
Existe uma série de ferramentas para isso. O GRI, ferramenta de relatoria de sustentabilidade é uma delas, onde as empresas relatam anualmente quais os seus impactos. De toda forma, é evidente que muitas empresas não vão querer falar de seus problemas em seu próprio relatório. Por isso, é importante buscar os trabalhos que muitas ONGs fazem para avaliar os impactos das empresas. O Idec, por exemplo, tem o Guia de Bancos Responsáveis, avaliando as relações com funcionários, os direitos dos consumidores e os impactos ambientais dos projetos financiados, o guia traz uma acervo enorme de informações para que você possa escolher o seu banco de forma clara.
Ouvimos muito falar em pegada de carbono? O que é? E o que podemos fazer para reduzi-la?
Pegada de carbono é um cálculo para mensurar quanto indivíduos, empresas ou mesmo um produto, emitem de gases de efeito estufa, aqueles que causam os efeitos das mudanças climáticas. Para minimizá-las, a maior contribuição no Brasil está na mobilidade e no consumo de carne, hoje os principais vilões no Brasil no assunto. Buscar meios mais sustentáveis de se locomover ou mesmo reduzir as distâncias dos seus deslocamentos são formas de contribuir. No consumo de carne, a cada 1kg que você evita comer, 335kg desses gases são evitados, o que equivale a percorrer cerca de 1.600km de carro.
Sustentabilidade é um tripé, ambiental, social e financeiro. Como consumidor, como é possível ser socialmente mais responsável?
A sustentabilidade social vem em dois momentos. Primeiro, no impacto do nosso consumo nas relações sociais de um certo produto ou serviço. Saber como e por quem é feito tal produto ou serviço é fundamental para escolhas mais sustentáveis. Segundo, é na nossa própria relação de consumo. Garantirmos nossos direitos como consumidores é ser socialmente mais responsável. Só para termos um exemplo, o artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor (CDC) diz que é direito básico nosso a informação clara e adequada dos produtos e serviços sobre sua “quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.” Imaginem se todos nós, como consumidores-cidadãos, passássemos a cobrar essas informações das empresas, em especial os riscos envolvidos, com certeza teríamos mudanças radicais.
E o que é ser economicamente sustentável? Isso também se aplica ao consumidor ou só a empresas?
Para ser sustentável é necessário ter alternativas. Para ter alternativas, é preciso que estas sejam acessíveis, o que inclui, entre outras coisas, o custo. Por um lado, significa o custo de produtos sustentáveis, que muitas vezes saem em desvantagem por não contar com incentivos do governo, enquanto outros produtos nada sustentáveis recebem incentivos infinitos (vide o caso da indústria automobilística). Por outro lado, a sustentabilidade econômica também está em nossa relação com o dinheiro: como o utilizamos? quanto precisamos? qual uso fazemos dele? Usando o mesmo caso acima (indústria automobilística), a partir do momento que foi exposta essa série de incentivos para adquirir um carro, temos agora cerca de 30% de inadimplência dos consumidores por não conseguirem pagar o parcelamento do seu veículo. Pensar e agir sobre isso também é ser economicamente sustentável.
No Brasil, quem quer ser um consumidor verde, pode encontrar informações sobre empresas e produtos?
Em alguns casos sim, em outros não. Temos iniciativas como a etiquetagem de eficiência energética (aquela com as setas coloridas e a indicação por letras) em que facilmente sabemos se um eletroeletrônico gasta pouca energia em relação aos outros. Porém, para a maioria dos produtos e empresas ainda falta muita transparência. Os alimentos com ingredientes transgênicos são bons exemplos disso: 89% da nossa soja e 76% do nosso milho são transgênicos. Porém, no momento em que é obrigado por lei a rotulagem desses produtos, vemos poucas informações nos rótulos dos produtos.
Um mundo sustentável é realmente possível?
Não só é possível como já tem muita gente construindo esse mundo sustentável. A partir do momento que temos pessoas se mobilizando para criar hortas urbanas, cidadãos se mobilizando em cima de bicicleta para exigir mais respeito na rua e várias outras causas sendo amparadas por multidões, nós estamos construindo hoje a nossa utopia, a utopia do agora. E, mais cedo ou mais tarde, as empresas e governos terão que entrar na onda. Até lá, temos que continuar cobrando e fazendo mais, com menos.
Fonte: O Globo