De monotonia ninguém pode se queixar. Nas 100 primeiras horas depois de eleito presidente, entre a noite de domingo e a de quinta-feira, véspera do feriado prolongado, Jair Bolsonaro deixou claro que pretende fazer um governo diferente de todos os outros. Nem mesmo em relação aos seus antecessores militares do período entre 1964 e 1985, em geral reservados, pode-se estabelecer qualquer paralelo. A julgar por esses primeiros momentos, e também pela campanha eleitoral, a tônica do novo chefe de Estado será calcada em novas formas de comunicação com os cidadãos e em decisões de impacto.
Em termos de imagem, ele termina sua primeira semana com ganhos fortes. Quanto aos efeitos das decisões, há controvérsias: muitas podem prejudicar o país e o próprio governo, alertam analistas. Mas não se pode dizer que as decisões tenham sido surpreendentes ao que ele falava antes das urnas.
“Ele está total em sintonia com seus eleitores. Tem reforçado, por meio das decisões, todas as expectativas que havia em relação a ele. Não há qualquer improviso no que se viu ao longo da semana”, assevera Paulo Baía, professor de ciência política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O fato mais relevante foi a escolha do juiz federal Sérgio Moro para o superministério da Justiça, que vai incorporar também a segurança pública e órgãos de controle do governo. Bolsonaro revelou a intenção de convidar o símbolo máximo da Operação Lava-Jato para seu gabinete em entrevista a emissoras de tevê na segunda-feira. Na quinta, Moro foi ao Rio conversar com o presidente eleito e saiu de lá confirmado. Houve críticas no país e no exterior quanto ao fato de o principal algoz de políticos do PT vir a integrar o governo que derrotou a legenda nas urnas. Mas, para grande parte da população, a escolha de Moro, o maior símbolo do combate à corrupção, fez um enorme sucesso.
Foram confirmados também o deputado federal Onyx Lorenzoni (DEM-RS) na Casa Civil; o general Augusto Heleno na Defesa; o astronauta Marcos Pontes na Ciência e Tecnologia; e Paulo Guedes em outro superministério, o da Economia, que reunirá Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio.
Para o cientista político Eurico Figueiredo, essa composição causa certo receio. “A formação do governo é uma equação política que costuma levar em conta o conjunto de esforços que beneficiaram o candidato na forma de alianças. O protagonismo do presidente não pode ser absoluto, pois o Parlamento representa todas as forças legalmente constituídas. Basta que se escolham pessoas que tenham condições morais e profissionais de exercer determinadas funções”, explica.
A resistência em entregar parte das vagas no governo é importante, ressalta, mas não deve ser um critério absoluto. Ele cita o político mineiro Benedito Valladares (1892-1973), para quem um presidente não poderia negociar os cargos de quem prende e solta, a Justiça; de quem paga e recebe, a Fazenda; e de quem demite e admite, a Casa Civil. “Mas se resistir a tudo, o resultado poderá ser dificuldade de gestão, como enfrentaram Fernando Collor e Dilma Rousseff. Vamos ver. O momento é de expectativa. Algo positivo é o fato de ele ter dito, ainda na campanha do segundo turno, que se submeteria à Constituição.”
O fato de escolher um ministério eminentemente técnico não significa necessariamente livrar o governo de conflitos, como se viu bem no início da semana. Na segunda-feira, Lorenzoni disse que a reforma da Previdência enviada por Temer ao Congresso não seria aproveitada, por ser ruim. O próprio presidente disse depois em entrevista a TVs, porém, que a ideia é votá-la ainda neste ano, modificando o que for necessário.
Lorenzoni também sugeriu na segunda que o novo governo poderia estabelecer limites para a variação do valor do dólar. A perspectiva de controle cambial não foi bem aceita pelo mercado. Guedes usou contundência ao criticá-la no dia seguinte. “É um político falando de economia. É a mesma coisa que eu sair falando de política. Não dá certo, né?”
Os anúncios de novos nomes foram publicados por Bolsonaro pelo Twitter. A preferência por seguir usando depois de eleito as redes sociais, tão importantes na campanha, ficou clara ainda no domingo. O discurso após o resultado das urnas foi gravado em vídeo e distribuído diretamente na internet, sem a tradicional entrevista coletiva que se segue ao anúncio. Na quinta-feira, o presidente falou a um grupo de jornalistas, mas apenas de televisão. Foram barrados os representantes de jornais impressos e rádios, em uma clara demonstração de que a relação com a mídia tradicional não será fácil.
De olho na imagem
Na avaliação de Roberto Romano, professor de filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), apesar da resistência em relação à imprensa, Bolsonaro tem dado sinais de estar preocupado em melhorar sua imagem. “Ele tem mostrado capacidade de se agastar do papel truculento, apresentando-se uma pessoa com apelo popular”, afirma.
O professor vê com ressalvas, porém, várias decisões do presidente eleito. Por exemplo, a ideia de transferir a educação superior para o Ministério da Ciência e Tecnologia. “Isso pode ser um desastre, pois a maior parte do orçamento do Ministério da Educação é dedicado às universidades.”
Romano também tem ressalvas ao perfil de Pontes, militar reformado da Aeronáutica. “O futuro ministro falar que pretende combater inimigos internos e externos. Isso é assustador. As universidades precisam lidar com muita gente que está no exterior. Em várias delas, a participação de multinacionais nas pesquisas é altamente relevante”, destaca. Mas ele aposta que muito do que foi dito será revisto. “O que se viu mais ao longo da semana foram muitos balões de ensaio.”
Controvérsias
Uma das principais controvérsias foi a ideia de eliminar o Ministério do Meio Ambiente e submeter os órgãos de fiscalização à pasta da Agricultura. Depois de vários protestos, incluindo da modelo Gisele Bundchen, Bolsonaro disse que a decisão não está tomada ainda, e que a fusão pode ser revista.
Outro ponto de discórdia é a transferência da embaixada do Brasil em Israel de Telavive para Jerusalém, que o governo do país quer transformar em capital apesar de isso ferir tratado internacional. A ideia causou indignação no grupo palestino Hamas. Especialistas em comércio exterior temem que as exportações brasileiras para países árabes seja prejudicada. Ainda na política externa, Bolsonaro afirmou que pode romper relações com Cuba. O governo do país afirmou que respeita diferenças ideológicas com outras nações e que tem relações até mesmo com os Estados Unidos.